AS FESTAS DO ESPÍRITO SANTO NA TERCEIRA
Espírito Santo... Deus... Misericórdia..., assim reza o nosso povo.
 
          E é em louvor do Divino que vamos explicar:
          Casa do Imperador, altar armado de cetins, lumes e flores, a coroa é feita em lata pobre, mas com a maior devoção do mundo está em destaque no cimo do altar.
          À noite parentes e amigos rezam o terço, porque depois há lugar à folia numas quadras mal rimadas ao desafio ou num bailo armado onde nunca falta a chamarrita.
          Ao lado tudo está pronto, porque no Domingo depois da missa todos se apressam não vá faltar lugar para comer umas sopas e saborear a alcatra bem regada com o vinho de cheiro que abundantemente circula de mão em mão em canjirão cheio e fresco.
          Mas como ficou dito e provado o povo terceirense é o mais alegre e folgazão de todo o arquipélago, Ferreira Drumond escreveu e passo a citar:
          As festas na Ilha Terceira iniciam-se no limiar do ano novo e terminam na noite de S. Silvestre.
         A festa do nosso povo o seu bailo direito ou bailo antigo, os seus desafios e as suas apreciadíssimas cantigas das velhas, qual cantigas de escárnio e mal dizer, que embora sem ofensa são autênticas chamadas de atenção a muitas questões sociais, que na época seriam tabu dizer-se.
         O dia de Pentecostes é festejado popularmente em todas as Ilhas dos Açores, como sendo um dos mais importantes celebrados pelo mundo católico. Não há em todas as outras solenidades religiosas, como Natal e Páscoa, Corpo de Deus e Imaculada Conceição, o mesmo entusiasmo, a mesina euforia, a mesma alegria comunicativa, que se registra no dia de Pentecostes e no da Santíssima Trindade sobretudo, na Terceira, os festejos populares do Espírito Santo, chegam a atingir o auge. Não sendo de uma solenidade religiosa levada a efeito na Igreja, é o povo que os promove reunindo-se, para tal fim em associações a que embora chamem irmandades, não se podem canonicamente considerar como tal por não, serem eretas, em igrejas ou capelas públicas.
         E nisto, que está a maior prova da devoção pelo Espírito Santo por tais festejos não partirem da igreja, mas do povo que espontaneamente os promove, conservando assim uma tradição de séculos.
         Como pródromo destas festas em Portugal, reportam-se os historiadores à confraria instituída por D. Isabel de Aragão, em Alenquer, a que chamaram Império, convocando no dia de Pentecostes do ano de 1296, clero, nobreza e povo, a tomarem parte nas solenidades religiosas realizadas quando da, sua inauguração. Deviam ser impressionantes todas as cerimônias realizadas nesse dia. De entre os pobres assistentes aos ofícios litúrgicos, realizados na capela real, convidou-se o mais pobre de entre eles a ocupar sobre o dossel da capela-mor, o lugar, do Rei, que lhe serviu de condestável e os áulicos de págens. Ali o pobre ajoelhou-se sobre rico almofadão destinado ao Rei e nessa postura o bispo do paço lhe colocou na cabeça a coroa real, enquanto, entoava o hino Veni Creator Spiritus.

Sopas do Divino Espírito Santo

Procissão ou cortejo para a coroação.

          Assim investido das insígnias reais, assistiu o pobre à celebração da missa, como igualmente assim se dirigiu depois ao paço real, onde lhe foi oferecido um lauto jantar servido pela Rainha.
          Tão tocante cerimônia encontrou eco nos fidalgos da corte, que, desejando seguir o exemplo da abnegada humildade dos seus soberanos, a quiseram pôr em prática. Com autorização do Monarca mandaram fazer coroas em tudo semelhantes à coroa do Rei, tendo no centro um medalhão com os símbolos da Santíssima Trindade, passando depois a fazer no dia de Pentecostes, cerimônias idênticas às do paço real.
        Foram precisamente essas coroas que os donatários das Ilhas dos Açores trouxeram para o Arquipélago, onde, no dia de Pentecostes passaram a usar o mesmo cerimonial iniciado na corte de D. Diniz e D. Isabel.
        Presentemente as coroas já não são do mesmo tipo da época de 400. Feitas de prata batida com relevo, assim como todo o seu conjunto, partem do largo aro, onde se vê uma pomba em relevo de asas abertas, quatro braços ou imperiais, que erguendo-se em forma convexa, se reúnem no topo, sustentando um globo sobre o qual se ergue uma cruz, ou pousa uma pomba em atitude de vôo. Quando a coroa não está na cabeça, o cetro é apoiado no aro, por entre os braços ou imperiais da coroa, descansando o todo sobre uma salva, ou seja, um prato liso de prata com cercadura lavrada, munida de um suporte, alargando na base, a que chamam o pé da salva e que serve para a apoiar com a coroa sobre o altar ou mesa. No lado detrás da coroa há um laço de largas fitas de seda branca, cujas pontas caiem, sobre as costas, quando a coroa está pousada na cabeça.

Procissão do Divino

          Como acessório da coroa há ainda a bandeira, vasto pano de damasco de sede vermelha, orlado de franjas de ouro tendo no centro de uma das faces uma coroa e no da outra uma pomba de asas abertas, sobre flamante resplendor, tudo bordado a ouro, assim como as flores que ornamentam os cantos de ambos os lados. Há, na verdade bandeiras mais modestas, principalmente nos impérios do campo, mas os da cidade primam por terem magníficas bandeiras de um trabalho, artístico de grande mérito.
          A bandeira está presa a uma haste cilíndrica de boa madeira envernizada, tendo na parte superior um globo de prata sobre o qual pousa uma pomba do mesmo metal, de asas abertas.
          Mas, todo esse cerimonial em honra do Paracleto, que no continente português teve o seu inicio, se propagou e depois desapareceu, continuou nestas Ilhas com uma intensidade que ainda hoje perdura e que embora variando algum tanto de Ilha para outra, tem-se por objetivo praticar a caridade em nome do Espírito Santo, simbolizado numa pomba de prata que adeja sobre uma coroa do mesmo metal, na evocação de um ato de humildade praticado por um Rei e uma Rainha de Portugal.

          Iniciado nestas Ilhas pelos donatários e depois pelos fidalgos e altos Senhores do governo das Ilhas, cujos haveres lhes permitiam arcar individualmente com as despesas exigidos por tais atos, sobretudo com a distribuição de esmolas, habituou-se o Povo, perante tão generosos atos de caridade, a prestar um culto especial ao Espírito Santo, que na consagração do seu dia litúrgico era - e continua a ser - festejado com esmolas de pão, carne e vinho, alegria para velhos e novos, pobres e ricos, enfim uma euforia geral. Independentemente disso, em horas de aflição, perante os grandes cataclismos sísmicos, que sacudiam as Ilhas na eminência de as subverter, o povo pedindo de empréstimo as coroas aos fidalgos, levava-as para o ar livre e, em pleno campo, bem próximo dos lugares onde as cinzas dos vulcões e as lavas das erupções escureciam o ar e queimavam a terra, colocavam a coroa sobre um estrado coberto de rica colgadura e de joelhos imploravam a clemência do Paracleto.

          Nestas Ilhas, a devoção dos fidalgos pelo Espírito Santo, passou ao povo, democratizando-se. Mas a tarefa era grande demais para um só e exigia o esforço de vários. Para a levar a cabo as populações dos diversos lugares e freguesias associaram-se, cada qual entre si, concorrendo com o seu óbolo, para que as festas do Espírito Santo em nada desmerecessem das dos fidalgos. Aqui e ali, fora de qualquer ação da Igreja, ergueram-se os impérios, espécies de capelas onde se colocam as coroas.
           Construídos a pedra e cal nos terreiros das freguesias, constam de uma pequena quadra de trinta metros quadrados, tendo ao centro uma porta e janela e no interior um altar com um trono. O frontispício, ergue-se em forma de ermida, cumulando com uma coroa de pedra e tem no tímpano uma pomba de pedra em relevo, com a legenda Glória ao Divino. Se a freguesia é muito dispersa e muito extensa há, por vezes mais de que um império, havendo freguesias em que se contam, dois, três e quatro impérios. Anexo ao império ou desviado dele, mas sempre nas proximidades, há a dispensa, edifício onde se arrecada o pão, a carne, o vinho e todos os utensílios do império. Junto à dispensa ergue-se um mastro ou mastaréu onde se iça uma bandeira em todos os domingos a partir do sábado, de Aleluia, até à segunda-feira seguinte ao domingo da Trindade. Estas bandeiras são de pano comum, geralmente branco e pintadas com ornamentos, que por via de regra, representam a pomba, a coroa e a legenda Glória ao Divino.

Império do Galinho - 1933

          Nas freguesias rurais, os impérios constituem propriedades do povo desses aglomerados populacionais. Aos chefes das famílias e aos filhos varões de maior idade, compete a administração dos impérios, para os bodos e festejos a realizar nos domingos de Pentecostes e da Santíssima Trindade, havendo uma comissão para cada império.
           As comissões administrativas compõem-se de um presidente e de cinco vogais. Ao primeiro dá-se o nome de Procurador e aos outros o de irmãos esmolares, mordomos ou governantes, consoante os lugares. O procurador de uma gerência futura é sempre nomeado por sorteio, segundo os nomes apresentados pelo procurador e irmãos esmoleres da gerência anterior.
          As coroas do Espírito Santo, há uma para cada Domingo, são sorteadas pelas casas da freguesia a título precário, cabendo aos efeitos terem uma delas em suas casas pelo espaço de oito dias no tempo que decorre desde o domingo de Páscoa até ao domingo da Santíssima Trindade. Ao chefe de família ou filho - "a quem saiu o Senhor Espírito Santo" - chamam então imperador. A este ato do sorteio chamam tirar os pelouros. O acontecimento é igualmente anunciado da porta do império em alta voz.
           Terminado o período de estação da coroa numa casa, sempre num domingo depois do entardecer, o imperador, a quem toca a coroa no período seguinte, vai buscá-la, trazendo-a para casa acompanhado de um cortejo de homens e mulheres em duas alas, que seguem caminho cantando a Ave Maria.
          Independentemente dos pelouros para o sorteio da coroa, há ainda o de outros cargos e encargos, que também são sorteados e anunciados, como, por exemplo, o mordomo do fogo e os seus onze companheiros, que têm a seu cuidado a aquisição dos foguetes e fogo de artifício; o encargo de se celebrar cinco missas por alma de qualquer pessoa ou pessoas à discrição do sorteado, o de concorrer para o bodo do ano seguinte com vinte pães. Todos estes pelouros são anunciados da portado império à assistência que circula em frente, gozando o arraial que se desenrola em frente no terreiro.
 
          O objetivo dos impérios é o da distribuição de esmolas em louvor do Divino Espírito Santo nas vigílias e domingos de Pentecostes e da Trindade.
          Nos sábados, vésperas desses domingos, a que chamam sábado do Espírito Santo e sábado da Trindade, há distribuição de esmolas de pão, carne e vinho. Um pão um prato descame e vinho são distribuídos a cada família que ali se apresenta com um cartão previamente fornecido. Grandes mesas feitas de tábuas de soalho, dispostas a seguir umas às outras apoiadas sobre cavaletes, sustêm as esmolas, colocadas em todo o comprimento do tabuado, no centro da qual está uma coroa do Espírito Santo entre flores. Ã tarde o pároco da freguesia vem benzer as esmolas e o pão que está na dispensa para o bodo do dia seguinte. A filarmônica toca num palanque, estrelejam foguetes, distribui-se vinho peitos circunstantes à discrição. A festa é geral, para toda a gente e a alegria reina em todos os corações.
 
           No domingo seguinte, logo de manhã, carros de bois, de sebes novas, enfeitados com galhos de faia do norte e flores, correm a freguesia de ponta a ponta e de lado a lado, carregados de pão envolto em alvos lençóis, na distribuição do bodo por todas as casas e por toda a gente, dando a cada pessoa dois ou, três pães em louvor do divino Espírito Santo.
 
          Á hora da missa do Dia chega o imperador com o seu cortejo passa a coroação na Igreja e à tarde há o arraial no terreiro em frente ao império, com música e distribuição de vinho.
          Na segunda-feira seguinte - segunda-feira do Espírito Santo - novo bodo de pão é distribuído pela freguesia, tal como no dia antecedente e à tarde com o - pão que fica, partido em fatias distribui-se outro bodo e vinho a todos quantos assistem ao arraial que, tal como no dia antecedente continua pela noite adiante com música, fogo de artifício e animação dos circunstantes.

Os Bodos da Terceira e de Vila Isabel

Um Império visto por dentro - São Mateus - Terceira

O DIVINO NA TERCEIRA:

 

     É no Domingo de Pentecostes (1.º Bodo) e no da Trindade (2.º Bodo) que os impérios "do monte" (das freguesias rurais) realizam os bodos.    

    Por isso toda a gente reserva esses dias para visita todas as freguesias, dando uma volta completa à ilha.

     É o que se chama "correr os Bodos"... Bodos na Terceira

    O dia de Pentecostes é festejado popularmente em todas as Ilhas dos Açores, como sendo um dos mais importantes celebrados pelo mundo católico.

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Todos  os 177  Impérios do Espírito Santo dos Açores