O dia de Pentecostes é festejado popularmente em todas
as Ilhas dos Açores, como sendo um dos mais importantes
celebrados pelo mundo católico.
Não há em todas as solenidades religiosas, como Natal e
Páscoa, Corpo de Deus e Imaculada Conceição, o mesmo
entusiasmo, a mesma euforia, a mesma alegria
comunicativa, que se registra no dia de Pentecostes e no
dia da Santíssima Trindade. Sobretudo, na Terceira,
os festejos populares do Espírito Santo, chegam a
atingir o auge. Não sendo uma solenidade religiosa
levada ao efeito da Igreja, é o povo que os promove
reunindo-se, para tal fim, em associações a que embora
chamem irmandades, não se podem canonicamente considerar
como tal por não serem erectas em igrejas ou capelas
públicas. É aqui que está a maior prova da devoção pelo
Espírito Santo, por tais festejos não partirem da
Igreja, mas sim do povo, que espontaneamente os promove,
conservando assim uma tradição de séculos.
Como o pródomo destas festas em Portugal, reportam-se
historiadores
à confraria instituída por D. Isabel de
Aragão,
em Alenquer,
a que chamaram Império,
convocando
no ano de 1296, clero, nobreza e povo, a tomarem parte
nas solenidades religiosas realizadas aquando da sua
inauguração.
Deviam ser impressionantes todas as cerimónias
realizadas nesse dia.
De entre os pobres assistentes aos
ofícios litúrgicos, realizados na capela real,
convidou-se o mais pobre de entre eles a ocupar sobre o
dossel da capela-mor, o lugar do Rei, que lhe serviu de
condestável, e os áulicos de pagens.
Ali o pobre ajoelhou-se sobre o rico almofadão destinado
ao Rei e nessa postura o bispo do paço lhe colocou na
cabeça a coroa real, enquanto entoava o
hino Veni Creator Spiritus.
Assim, investido de insígnias reais,
assistiu o pobre à celebração da missa, como igualmente
assim se dirigiu depois ao passo real, onde lhe foi
oferecido um lauto jantar servido pela Rainha.
Tão tocante cerimonia encontrou eco nos fidalgos da
corte que, desejando seguir o exemplo da abnegada
humildade dos seus soberanos, a quiseram pôr em prática.
Com autorização do Monarca, mandaram fazer coroas em
tudo semelhantes à coroa do Rei, tendo no centro um
medalhão com os símbolos da Santíssima Trindade,
passando depois a fazer no dia de Pentecostes, cerimonias idênticas às do paço real. Foram precisamente
essas coroas que os donatários das Ilhas dos Açores
trouxeram para o Arquipélago, onde, no dia de
Pentecostes passaram a usar o mesmo cerimonial iniciado
na corte de D. Diniz e D. Isabel.
Presentemente, as coroas já não são do mesmo tipo da
época de 400. Feitas de prata batida com relevo, assim
como todo o seu conjunto, partem do largo aro, onde se
vê uma pomba em relevo de asas abertas, quatro braços ou
imperiais, que erguendo-se em forma convexa, se reúnem
no topo, sustentando um globo sobre o qual se ergue uma
cruz, ou pousa uma pomba em atitude de voo. Quando a
coroa não está na cabeça, o ceptro é apoiado no aro, por
entre os braços ou imperiais da coroa, descansando o
todo sobre a salva, ou seja, um prato liso de prata com
cercadura lavrada, munida de um suporte, alargando na
base, a que chamam o pé de salva e que serve para apoiar
com a coroa sobre o altar ou mesa. No lado detrás da
coroa há um laço de largas fitas de seda branca, cujas
pontas caiem sobre as costas, quando a coroa está
pousada na cabeça.
Como acessório da coroa, há ainda a bandeira, vasto
pano de damasco de seda vermelha, orlado de franjas de
ouro tendo no centro de uma das faces uma coroa e no da
outra uma pomba de asas abertas, sobre flamante
resplendor, tudo bordado de ouro, assim como as flores
que ornamentam os cantos de ambos os lados. Há, na
verdade, bandeiras mais modestas, principalmente nos
impérios do campo, mas os da cidade, primam por terem
magníficas bandeiras de um trabalho artístico de grande
mérito. A bandeira está presa a uma haste cilíndrica de
boa madeira envernizada, tendo na parte superior um
globo de prata sobre o qual poisa uma pomba do mesmo
metal, de asas abertas.
Mas, todo esse cerimonial em honra do Paracleto, que no
continente português teve o seu início, se propagou e
depois desapareceu, continuou nestas Ilhas com uma
intensidade que ainda hoje perdura e que embora variando
algum tanto de Ilha para outra, tem-se por objectivo
praticar a caridade em nome do Espírito Santo,
simbolizado numa pomba de prata que adeja sobre uma
coroa do mesmo metal, na evocação de um acto de
humildade praticado por um Rei e uma Rainha de Portugal.
Iniciado nestas Ilhas pelos donatários e depois pelos
fidalgos e altos Senhores do governo das Ilhas, cujos
haveres lhes permitiam arcar individualmente com as
despesas exigidas por tais actos, sobretudo com a
distribuição de esmolas, habituou-se o Povo, perante tão
generosos actos de caridade, a prestar um culto especial
ao Espírito Santo, que na consagração do seu dia
litúrgico era - e continua a ser - festejado com esmolas
de pão, carne e vinho, alegria para velhos e novos,
pobres e ricos, enfim, uma euforia geral.
Independentemente disso, em horas de aflição, perante os
grandes cataclismos sísmicos que sacudiam as Ilhas na
eminência de as subverter, o povo, pedindo de empréstimo
as coroas aos fidalgos, levava-as para o ar livre e, em
pleno campo, bem próximo dos lugares onde as cinzas dos
vulcões e as lavas das erupções escureciam o ar e
queimavam a terra, colocavam a coroa sobre um estrado
coberto de rica colgadura e de joelhos imploravam a
clemência do Paracleto. Nestas Ilhas, a devoção dos
fidalgos pelo Espírito Santo, passou ao povo,
democratizando-se.
Mas a tarefa era grande demais para um só e exigia o
esforço de vários. Para a levar a cabo, as populações
dos diversos lugares e freguesias associaram-se, cada
qual entre si, concorrendo com o seu óbolo, para que as
festas do Espírito Santo em nada desmerecessem das dos
fidalgos.
Aqui e ali, fora de qualquer acção da Igreja,
ergueram-se os Impérios, espécies de capelas onde se
colocavam as coroas. Construídos a pedra e cal nos
terreiros das freguesias, os Impérios constam de uma
pequena quadra de trinta metros quadrados, tendo ao
centro uma porta e janela e no interior um altar com um
trono. O frontespício, ergue-se em forma de ermida,
cumulando com uma coroa de pedra e tem no tímpano uma
pomba de pedra em relevo, com a legenda Glória ao
Divino.
Se a freguesia é muito dispersa e muito extensa há, por
vezes, mais do que um Império, havendo freguesias em que
se contam, dois, três e quatro Impérios.
Anexo ao Império
ou desviado dele, mas sempre nas proximidades,
existe uma dispensa,
edifício onde se arrecada o pão, a carne, o vinho e
todos os utensílios de Império.
Junto à dispensa ergue-se um mastro ou mastaréu onde
se iça uma bandeira em todos os domingos a partir do
sábado de Aleluia, até segunda-feira seguinte ao domingo
da Trindade. Estas bandeiras são de pano comum,
geralmente branco, e pintadas com ornamentos, que por
via de regra, representam a pomba, a coroa e a legenda
Glória ao Divino.
Nas freguesias rurais, os Impérios constituem
propriedades do povo desses aglomerados populacionais.
Aos chefes das famílias e aos filhos varões de maior
idade, compete a administração dos Impérios, para os
bodos e festejos a realizar nos domingos de Pentecostes
e da Santíssima Trindade, havendo uma comissão para cada
Império. As comissões administrativas compõem-se de um
presidente e de cinco vogais. Ao primeiro dá-se o nome
de Procurador e aos outros o de Irmãos Esmolares,
Mordomos ou Governantes, consoante os lugares. O
procurados de uma gerência futura é sempre nomeado por
sorteio, segundo os nomes apresentados pelo procurador e
irmãos esmolares da gerência anterior.
As coroas do Espírito Santo (há uma para cada
domingo), são sorteadas pelas casas da freguesia a
título precário, cabendo aos efeitos terem uma delas
em suas casas pelo espaço de oito dias no tempo que
decorre desde o domingo de Páscoa até ao domingo da
Santíssima Trindade. Ao chefe de família ou filho –
“a quem saiu o Senhor Espírito Santo” – chamam então de
Imperador.
A este acto de sorteio chamam “tirar os piloiros”.
O acontecimento é igualmente anunciado da porta do
Império em alta voz. Terminado o período de estação da
coroa numa casa, sempre num domingo depois do
entardecer, o Imperador a quem toca a coroa no período
seguinte, vai buscá-la, trazendo-a para sua casa
acompanhado de um cortejo de homens e mulheres em duas
alas, que seguem caminho cantando Avé Maria.
Independentemente dos pelouros para o sorteio da coroa,
há ainda outros cargos e encargos, que também são
sorteados e anunciados, como, por exemplo, o mordomo do
fogo e os seus onze companheiros, que têm a seu cuidado
a aquisição dos foguetes e fogo de artifício; o encargo
de se celebrar cinco missas por alma de qualquer pessoa
ou pessoas à discrição do sorteado; o de concorrer para
o bodo do ano seguinte com vinte pães. Todos estes
pelouros são anunciados da porta do Império à
assistência que circula gozando o arraial que se
desenrola em frente, no terreiro.
O objectivo dos Impérios é o da distribuição de
esmolas em louvor do Divino Espírito Santo
nas
vigílias e domingos de Pentecostes e da Trindade. Nos
sábados, vésperas desses domingos, a que chamam sábado
do Espírito Santo e sábado da Trindade,
há
distribuição de esmolas de pão, carne e vinho. Um pão,
um prato de carne e vinho são distribuídos a cada família
que ali se apresenta com um cartão previamente
fornecido. Grandes mesas feitas de tábuas de soalho,
dispostas umas a seguir às outras, apoiadas sobre
cavaletes, sustêm as esmolas, colocadas em todo o
comprimento do tabuado, no centro da qual se encontra
uma coroa do Espírito Santo entre flores.
À tarde, o pároco da freguesia vem benzer as esmolas
e o pão que está na dispensa para o bodo do dia
seguinte.
A
filarmónica toca num palanque,
estrelejam foguetes, distribui-se vinhos
fornecidos a todos à discrição.
A festa é geral para toda a gente e a alegria reina em
todos os corações.
No domingo seguinte, logo de manhã, carros de bois, de
sebes novas, enfeitados com galhos de faia do norte e
flores, correm a freguesia de ponta a ponta e de lado a
lado, carregados de pão envolto em alvos lençóis, na
distribuição do bodo por todas as casas e por toda a
gente, dando a cada pessoa dois ou três pães em louvor
do Espírito Santo.
À hora da missa do Dia, chega o Imperador com o seu
cortejo, passa a coroação na Igreja e, à tarde, há o
arraial no terreiro em frente ao Império, com música e
distribuição de vinho.
Na segunda-feira seguinte – segunda-feira do Espírito
Santo – novo bodo de pão é distribuído pela freguesia,
tal como no dia antecedente e à tarde, com o pão que
fica, partido em fatias, distribui-se outro bodo e vinho
a todos quantos assistem ao arraial que, tal como no dia
antecedente, continua pela noite adiante com música,
fogo de artíficio e animação dos circunstantes.
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