PIMENTEIRAS: A Grande Festa do Divino  

Texto de Matias Mendes  

A cidade de Pimenteiras, no Vale do Guaporé, foi sede da Festa do Divino realizada entre os dias 13 e 18 de junho. A grande confraternização do povo guaporeano este ano contou com a presença de visitantes ilustres como o jornalista Euro Tourinho, o senador Rubens Moreira Mendes, a filantropa Júlia Arcanjo, o padre Viana, vigário do distrito de Calama, e outros tantos romeiros procedentes das cidades vizinhas como Cerejeiras, Vilhena, Corumbiara e Cabixi. Os tradicionais romeiros de Guajará-Mirim também compareceram em grande número, a despeito da tristeza pela recente perda da nossa saudosa Rainha do Guaporé, a ex-Imperatriz Dalila Saldanha. A tristeza dos numerosos amigos de Dalila Saldanha certamente era muito grande, mas a devoção foi ainda maior. Em que pese a perda irreparável, todos procuraram arrancar forças para contribuir para a realização de mais uma memorável Festa do Divino.

A Irmandade do Divino de Pimenteiras conseguiu a façanha de realizar uma das melhores festas do século. Por mais incrível que possa parecer, a despeito da crise que assola o Estado de um modo geral, a grande marca da Festa do Divino de Pimenteiras foi a fartura, sendo incompreensível para quem não conhece a tradição do Guaporé o fato de como uma comunidade tão pequena conseguiu o milagre de receber tanta gente e atender a todos tão bem. Pimenteiras é um pólo turístico, aliás o mais ativo pólo turístico dentro do contexto do incipiente turismo de Rondônia. No entanto a Festa do Divino realizada na pequena cidade demonstrou que a comunidade pimenteirense tem vocação e competência para receber visitantes.

No dia 12 de junho, segunda-feira, as primeiras delegações de romeiros começaram a chegar à cidade. O Imperador João Penha e a Imperatriz Silvéria Maciel não mediram esforços para proporcionar a todos o melhor atendimento possível. Todos os romeiros tiveram alimentação farta e acomodações confortáveis. O presidente da Irmandade de Pimenteiras, Firmino de Brito, desdobrou-se para que todos os detalhes da organização da grande festa saíssem a contento. A rigor, não houve qualquer falha de organização, a despeito de muitas dificuldades que tiveram de ser contornadas ao longo dos meses de preparativos.

No dia 13 de junho pela manhã, depois de algumas controvérsias em relação ao fato de esperar ou não a chegada do barco da Enaro, no qual viajava o bispo diocesano Geraldo Verdier, o batelão do Divino fez a sua entrada triunfal no Porto de Pimenteiras, completando a peregrinação fluvial que durou neste ano cinqüenta dias. A multidão aglomerada no porto da cidade cumpriu os ritos tradicionais, sendo que alguns pagadores de promessa receberam a comitiva da romaria avançando muitos metros rio a dentro. Entre os presentes no barranco do rio, como vem acontecendo há mais de trinta anos, o grande incentivador da Festa do Divino, Wálter Bártolo, discípulo devotado de Dom Francisco Xavier Rey. Wálter Bártolo vem colaborando há muitos anos para que os festejos do Divino sejam preservados e consolidados como a grande tradição das comunidades guaporeanas, levando sempre mais personalidades importantes para conhecerem o grande festejo guaporeano.

Após a tocante cerimônia de chegada, tão logo a Coroa do Divino foi desembarcada, foi realizada a solenidade de coroação do Imperador e da Imperatriz da Festa do Divino, repetindo uma tradição que já dura há cento e seis anos. A grande multidão aglomerada no porto dava a Pimenteiras uma aura de cidade grande. Entre os fiéis que veneravam o Senhor Divino, o senador Moreira Mendes dividia espaço com gente humilde de todas as camadas sociais imagináveis sem qualquer necessidade de segurança. Alguns agentes na Polícia Federal que se encontravam no local permaneceram discretamente distanciados dos populares, provavelmente sem conseguir compreender muito bem a razão de tanta aglomeração num município ordinariamente tão calmo. A Festa do Divino do Guaporé tem como tradição ser uma reunião de muita ordem, muita alegria, muita fé e nenhuma violência, contrariando o princípio de que as grandes aglomerações populares são fatores de alto risco. Em Pimenteiras repetiu-se a tradição de paz durante a festa, não havendo qualquer registro de ocorrência policial digna de nota.

Ainda no dia 13 de junho, à tarde, a comitiva do Divino seguiu para o vizinho município de Cerejeiras, onde permaneceu em vigília durante uma noite, retornando a Pimenteiras na manhã do dia 14. Na tarde do dia 14 foi iniciada a peregrinação de recolhimento de esmolas na cidade, percorrendo todas as ruas do lugar e visitando todas as famílias católicas. À noite, todos os dias, acontecia a celebração da santa missa, tendo D. Geraldo Verdier como celebrante e vários padres como concelebrantes, marcando assim a forte presença da Igreja no tradicional festejo guaporeano.

A Festa do Divino atualmente é um acontecimento que viabiliza diversas atividades de ordem social. A exemplo do que já havia acontecido o ano passado, a Secretaria de Estado da Saúde enviou uma equipe composta por dois médicos, uma odontóloga e duas enfermeiras para prestar atendimento à comunidade ribeirinha. Durante os dias dos festejos, nas dependências do Posto de Saúde de Pimenteiras, os médicos atuaram diariamente, possibilitando a muitas pessoas um atendimento que atualmente não pode ser oferecido pelo município em razão da falta de médicos na cidade. A tradicional romeira Branca, de Guajará-Mirim, coordenava a equipe da Secretaria da Saúde em nome do Secretário Natanael Silva. O programa de atendimento aos ribeirinhos é mais um resultado positivo que pode ser creditado ao evento da Festa do Divino.

No plano espiritual, a exemplo das antigas desobrigas realizadas pelos padres católicos, a Festa do Divino marca uma época de realização de muitos batizados, aproveitando o ensejo da presença de muitos padres e do próprio bispo. Este ano foram em número de quarenta os batizados realizados por D. Geraldo Verdier e o padre Pedrinho. Padre Pedrinho é o membro do clero mais conhecido atualmente na Festa do Divino, considerado um romeiro pelos demais participantes, sendo uma presença obrigatória em todas as Festas. Este ano, a convite de Wálter Bártolo, compareceu também o padre Viana, de Calama, figura muito estimada na região do Vale do Madeira.

A Festa do Divino em Pimenteiras este ano deixou como principal lição a comprovada competência da comunidade guaporeana de manter a tradição. Em que pese a crise econômica geral, agravada pela demissão de milhares de servidores públicos, a Irmandade do Divino conseguiu mobilizar recursos para realizar uma excelente festa, provando mais uma vez que a força da tradição é muito maior que qualquer crise. A ausência de representantes oficiais em nada diminuiu o brilho da grande festa, muito pelo contrário, até ajudou na descontração geral dos participantes. Com exceção do senador Moreira Mendes, somente os vereadores locais e o prefeito municipal representaram a classe política na Festa do Divino, assim mesmo sem qualquer manifestação de ordem política.

Pimenteiras foi o grande palco da última Festa do Divino do século e do milênio, havendo desempenhado com muito brilho este particular papel histórico. Os detalhes mais marcantes desta Festa do Divino marcada pelo ano do jubileu da Igreja Católica serão objeto de nossos comentários nos próximos dias, levando ao conhecimento do povo de Rondônia todo o vigor da grande tradição guaporeana consolidada ao longo de mais de um século.   

FESTA DO DIVINO  

O Grande Encontro do Guaporé  

A Festa do Divino do ano 2000, em Pimenteiras, marcou a centésima sexta edição da tradicional Festa do Divino do Vale do Guaporé, introduzida na região por pioneiros ainda nos idos de 1894. A Festa do Divino em Pimenteiras marcou também a última festa realizada no século 20, tendo como principal suporte espiritual o Ano de Jubileu proclamado pela Igreja Católica. Em razão de tudo isto, a cidade de Pimenteiras recebeu durante a Festa do Divino a honrosa visita dos Bispos D. Geraldo Verdier e D. José Maria, bem como a visita de diversos sacerdotes católicos, entre os quais o padre Pedrinho, o padre Viana, o vigário da paróquia de Cerejeiras, o vigário da paróquia de Corumbiara e outros padres visitantes. Em todos os sentidos imagináveis, a Festa do Divino de Pimenteiras foi realmente um grande acontecimento cultural e religioso.

Vale lembrar que a organização da Festa do Divino do ano 2000 foi uma tarefa particularmente difícil em razão das dificuldades econômicas vividas pelo Estado. Embora sem o pródigo apoio oficial de anos passados, como na época de dona Hélia Piana, deputada Marinha Raupp e dona Margot Elage Badra, a Festa do Divino foi realizada com todo o brilho que a criatividade do povo guaporeano é capaz de demonstrar para contornar dificuldades. O grande mérito do sucesso da Festa deve ser creditado à Irmandade de Pimenteiras e à Diretoria Geral de Costa Marques que conseguiram em conjunto equacionar todos os problemas surgidos ao longo do período de organização, encontrando a solução adequada para cada problema enfrentado. Na verdade, como qualquer organização humana, a Irmandade do Divino não é uma instituição monolítica, há correntes de pensamento divergentes no seio da grande Irmandade, mas nada que possa interferir na organização final dos festejos. As eventuais divergências são tratadas antes e depois de cada Festa, mas nunca durante os festejos, fato que deve ser responsável pelo sucesso de organização que faz com que a cada ano as Festas sejam mais bem organizadas e mais freqüentadas pelo público em geral. A Festa de Pimenteiras foi um bom exemplo de tudo isto.

O sucesso da Festa do Divino do Vale do Guaporé não aconteceu por acaso. A realização da grande Festa tem como marca principal a ausência absoluta de violência. Por mais incrível que possa parecer, durante uma semana inteira de festejos em Pimenteiras, com muita bebida de permeio, com vários bailes muito concorridos, nenhum incidente de violência foi registrado. Para se ter uma melhor idéia, basta lembrar que em qualquer outro tipo de festejo em outros lugares, com muito menos gente, vários episódios de violência são registrados ao final dos eventos. No entanto, no que tange à Festa do Divino do Guaporé, ao longo de cento e seis anos, apenas um solitário registro de assassinato durante a Festa pode ser lembrado, mesmo assim sem qualquer ligação com a Festa do Divino em si. O episódio ocorreu no povoado de Limoeiro, no rio São Miguel, na década de 50, quando o subdelegado local, Otacílio Lima, aproveitou para acertar uma antiga rixa com um desafeto seu conhecido por Colombo. Vale lembrar que se tratava de uma rixa local, não tendo sido desentendimento surgido durante a Festa do Divino. Outros escassos registros de episódios menos graves não merecem sequer ser lembrados, nem mesmo o episódio de um equívoco ocorrido comigo mesmo  durante a Festa do Divino de 1995, também em Pimenteiras, resolvido de forma conveniente depois da Festa. A Festa do Divino do Guaporé é sem dúvida nenhuma o maior exemplo de concórdia entre grandes aglomerações humanas, não somente em Rondônia, mas em qualquer parte do País.

No dia da chegada do Batelão do Divino a Pimenteiras, dia 13 de junho, surgiu um impasse na agenda programada. D. Geraldo Verdier, que viajava a bordo do barco da Enaro, ainda não havia chegado a Pimenteiras, fazendo com que a entrada o Batelão ao porto fosse protelada por algumas horas. No final, depois de uma acalorada conferência, foi resolvido liberar a chegada do Batelão, considerando o fato de que o barco em que viajava. D. Geraldo ainda estava muito distante, não sendo possível esperá-lo sem comprometer toda a agenda da romaria que ainda teria de ir pernoitar na cidade de Cerejeiras. Resolvido o impasse, foi realizada a cerimônia de chegada sem a presença do Bispo, mas D. Geraldo Verdier compreendeu perfeitamente a decisão tomada pela Irmandade do Divino.

A Festa do Divino no Vale do Guaporé marca o grande encontro anual das famílias guaporeanas dispersas hoje por todos os recantos do Estado. É na Festa do Divino que acontece o reencontro dos Mendes, dos Lopes, dos Ribeiro, dos Maciel, dos Brito, dos Vargas, dos Moraes, dos Paes, dos Aranha, enfim, de todas as famílias que compõem a grande família guaporeana, povo de identidade bem diferenciada, gente de índole alegre e franca, exatamente o povo que conseguiu consolidar nas vastidões do Guaporé a mais rondoniense de todas as manifestações culturais que hoje temos no Estado. Por uma questão de absoluta justiça, não podemos deixar de lembrar que toda a força dessa tradição teve como suporte a ação de homens como D. Francisco Xavier Rey, Wálter Bártolo e outros tantos que não tinham propriamente a identidade guaporeana, mas que souberam compreender muito bem a verdadeira alma do povo do Guaporé.

A pequena cidade de Pimenteiras foi literalmente ocupada durante os dias da Festa do Divino. A partir do dia 12 de junho, procedentes de todos os recantos do Estado, caravanas de romeiros aportaram na pequena cidade de ônibus, de barco, de avião, de carro e por outros meios de transporte. A multidão podia ser avaliada na igreja durante a celebração diária da santa missa. A igreja sempre esteve lotada todos os dias. Ao longo das animadas noites, os dois salões de baile em funcionamento também estiveram sempre muito lotados. O grande número de visitantes deu à cidade de Pimenteiras ares de uma cidade cosmopolita, apresentando todos os tipos humanos, todos os sotaques imagináveis, gente de todas as raças e uma integração pouco compreensível para quem não entende de Festa do Divino. Este ano havia um número razoável de comunicadores durante os dias da Festa. Beto Bertagna, Jurandir Costa, Luiz Brito, José Villela, Lobato, Euro Tourinho e outros comunicadores estiveram em Pimenteiras. Delegações das Irmandades de Surpresa, Costa Marques, Santo Antônio, Versalles, Pedras Negras, Rolim de Moura do Guaporé, Remanso e Piso Firme (os dois últimos na Bolívia, bem como Versalles) estiveram representando suas comunidades durante os festejos. Os representantes da Diretoria Geral de Costa Marques, Manoel Coelho Rodrigues e Orlando Marques, estiveram auxiliando na organização da Festa durante vários dias. No final, depois de muitas dificuldades contornadas, tudo saiu em perfeita ordem e mais uma grande Festa do Divino foi realizada no Vale do Guaporé.

A Marinha de Guerra do Brasil, através da Capitania dos Portos de Guajará-Mirim, como vem fazendo todos os anos, esteve em Pimenteiras para garantir a segurança da navegação durante a Festa, bem como para realizar outros trabalhos. O Capitão dos Portos Abrahão e seus comandados sempre estiveram atentos a todos os detalhes relacionados com a segurança da navegação. Em todos os aspectos concernentes à segurança a festa realizada em Pimenteiras foi impecável.

Mas não foi somente nos aspectos concernentes à segurança que a Festa do Divino de Pimenteiras foi impecável. A organização geral da Festa em si não deixou nenhuma margem para críticas. Pode até haver alguém que diga que não foi bem atendido, mas certamente porque não soube onde procurar o atendimento. Na questão específica da alimentação, a abundância foi de tal ordem que havia muitos romeiros fugindo de convites para almoços ou jantares. O atendimento ao público funcionou todos os dias nas residências do Imperador e da Imperatriz, confirmando mais uma vez a tradição de fartura da Festa do Divino do Guaporé.

PIMENTEIRAS:  

A Magia da Festa do Divino  

A Festa do Divino do Guaporé, sem qualquer hipérbole, tem um acentuado teor de conto de fadas. A região guaporeana, habitada por gente muito humilde, não parece ao observador ocasional reunir capacidade para realizar um evento de tanta magnitude. Poucos observadores de passagem poderiam crer que um povo tão humilde como o guaporeano pudesse realizar tão grande proeza como uma Festa do Divino com o brilho que se viu na festa realizada em Pimenteiras. Mas não pensem que o sucesso foi mero fruto de um feliz acaso. Muito pelo contrário, a realização do Festa do Divino do ano 2000 envolveu muito trabalho, muita dedicação e muito espírito de renúncia da comunidade de Pimenteiras. Pessoas como Firmino de Brito e Alice Serrath trabalharam muito duramente para que o festejo não deixasse nada a desejar. E conseguiram realizar uma grande festa, uma festa realmente digna de conto de fadas.

Em caráter muito excepcional, a Festa do Divino do Guaporé do final do milênio foi celebrada uma semana depois da data de Pentecostes. Tal adiamento deveu-se principalmente ao fato de que a peregrinação do Batelão do Divino este ano estendeu-se até a cidade de Guajará-Mirim, onde a Coroa permaneceu por vinte e quatro horas, repetindo a experiência do grande Centenário de 1994. Após a visita a Guajará-Mirim, no final do mês de abril, o Batelão do Divino cumpriu a sua trajetória normal da foz do Guaporé a Pimenteiras, conforme faz todos os anos, encerrando sua missão no dia 13 de junho pela manhã no porto da cidade de Pimenteiras.

A peregrinação do Batelão do Divino não pode ser analisada pelas observações frias de um simples relatório. A presença da Coroa do Divino no Vale do Guaporé é algo muito mais importante do que supõe a vã filosofia de muita gente. Talvez a melhor definição para a fé do povo guaporeano no Senhor Divino nos seja dada pelas palavras do devoto Wálter Bártolo: “A fé no Divino Espírito Santo para o povo do Guaporé representa o médico, a farmácia, o remédio, enfim, tudo que o povo guaporeano não tem ao alcance da mão”.

A celebração da Festa do Divino do ano 2000 foi um marco histórico da grande tradição guaporeana que passa de um milênio a outro mais vigorosa do que nunca. Sem qualquer exagero, é possível hoje afirmar que a tradição da Festa do Divino do Guaporé é algo predestinado a durar indefinidamente ao longo do próximo milênio, sendo absolutamente inimaginável o Vale do Guaporé no futuro sem a sua grande tradição de veneração dos símbolos do Divino Espírito Santo. O Vale do Guaporé não se resume à Festa do Divino, mas é pouco provável a sobrevivência da sociedade guaporeana sem a força espiritual que a Festa do Divino representa.

Historicamente, a região guaporeana sempre foi negligenciada pelo Poder Público. Não se trata de nenhuma crítica particular a esse ou àquele governo, pois todos os governantes de Rondônia cometeram o mesmo erro em relação ao Vale do Guaporé em maior ou menor grau. Sempre faltou a conveniente visão geopolítica em relação à região fronteiriça do Guaporé. O Estado cultivou o hábito de manter-se socialmente ausente da região, mas esporadicamente costuma comparecer como repressor. Este sempre foi o grande problema do isolamento do povo do Guaporé, que somente a forte tradição da Festa do Divino tem o poder de amenizar.

A Festa do Divino de Pimenteiras foi iniciada logo após a Semana Santa, época em que o Batelão do Divino foi equipado e teve início a peregrinação. A verdadeira trajetória do Batelão compreendeu o percurso Pimenteiras/Guajará-Mirim/Pimenteiras, totalizando mais de dois mil e quinhentos quilômetros de percurso por sobre as águas dos rios Guaporé, Mamoré, São Miguel e Cautário, inclusive o braço de rio que vai dar na localidade boliviana de Piso Firme. Somente a extensão do trecho navegado já impressiona. No entanto, ao longo da travessia fluvial, foram também percorridos muitos quilômetros por terra durante as peregrinações pelas ruas e veredas de todos os povoados ribeirinhos, bem como cidades como Costa Marques, Pimenteiras e Cerejeiras. Em todos os sentidos os números que envolvem a Festa do Divino do Vale do Guaporé são impressionantes.

Durante um ano inteiro a Irmandade de Pimenteira trabalhou para organizar a última Festa do Divino do século 20. O Imperador indicado, João Penha, e o presidente da Irmandade de Pimenteiras, Firmino de Brito, fizeram várias viagens a Porto Velho para angariar os recursos necessários à realização da Festa. Na verdade, em razão da crise econômica que o Estado atravessa,  nem sempre as diligências do pessoal de Pimenteiras obteve resultados positivos, sendo que muitos problemas a comunidade pimenteirense teve de recorrer a soluções locais. No final de tudo, a despeito de todas as dificuldades, o resultado foi um retumbante sucesso, registrando a realização de uma das melhores festas da tradição do Vale do Guaporé, festa que certamente será lembrada durante muitos anos como experiência positiva da capacidade das Irmandades do Divino na administração de situações difíceis. O resultado certamente compensou o esforço dispendido. 

FARTURA E ALEGRIA  

Este ano, em razão das indefinições em torno da Enaro, não houve uma romaria de passageiros pelo rio. No entanto, em decorrência dos esforços pessoais do senhor Ruy Almeida, ainda houve um barco da Enaro para transportar passageiros ribeirinhos, inclusive D. Geraldo Verdier fez a viagem a bordo desse barco. O barco da Enaro transportou muitos passageiros intermediários, ao contrário dos anos anteriores que a lotação completa dos barcos acontecia ainda em Guajará-Mirim. Este ano, até pela localização de Pimenteiras com acesso rodoviário, as mais tradicionais caravanas de romeiros chegaram à cidade de ônibus. Vale salientar que a viagem de romeiros de ônibus ganha muito em tempo e praticidade, mas perde muito do encanto das tradicionais romarias através do rio, principalmente as famosas romarias que conduziam a saudosa Rainha do Guaporé, a falecida ex-Imperatriz Dalila Saldanha. Uma boa parte dos romeiros que fez opção pela estrada foi exatamente para fugir à nostalgia pela falta da renomada romeira de tantos anos do Rio Guaporé. O Guaporé não é mesmo sem a sua Rainha.

Quanto à questão das acomodações, a pequena infra-estrutura turística de Pimenteiras resolveu uma parte do problema. A hospitalidade pródiga do guaporeano resolveu o resto. Em todas as casas particulares de Pimenteiras havia hóspedes abrigados. Na casa de Hegínia Mendes, por exemplo, havia mais gente do que no hotelzinho próximo. Quase todo mundo da mesma família, a numerosa família Mendes que se espalha de Vila Bela a Porto Velho entrelaçada a outros diversos ramos familiares. Para atender a tanta gente, sempre a generosidade de Memita Mendes, atenciosa, bem-humorada, disposta e cuidadosa, como se fosse uma grande mãe cuidando da sua prole. Fatos como este são bem característicos da Festa do Divino. Na Festa do Divino não há espaço para egoísmo, não existe vaidade tola e nem prospera o individualismo danoso. Todos estão dispostos a ajudar a todos. A Festa do Divino tem o perfeito perfil de Wálter Bártolo, talvez exatamente em razão disso o próprio Wálter participa de quase todas as Festas do Divino do Guaporé há mais de trinta anos consecutivos.

Comentar o sucesso da realização da Festa do Divino em Pimenteiras nunca é demais em razão dos acontecimentos negativos do início do ano. Com o episódio triste das quase dez mil demissões feitas pelo Governo do Estado, atingindo duramente até comunidades ribeirinhas como Surpresa, Costa Marques e Pedras Negras, temia-se um clima muito pesado de consternação durante a Festa, agravado sobretudo pela morte recente de Dalila Saldanha e Valéria. No entanto, em que pede a ausência de algumas pessoas, como Mônica e Basília Néry, tudo transcorreu no mais perfeito clima de alegria, prova cabal de que a tradição da Festa do Divino supera qualquer dificuldade.

A fartura em Pimenteiras foi um espetáculo à parte. Como foi possível alimentar tão bem tantas pessoas durante tantos dias com tão poucos recursos é um mistério que somente a tradição arraigada do povo do Guaporé pode encontrar a resposta. A verdade mesmo é que o Imperador João Penha e a Imperatriz Silvéria Maciel deram um espetáculo de pura hospitalidade e bom atendimento. A alimentação foi tão farta em Pimenteiras que muitos convites para almoços e jantares foram simplesmente recusados pelos convidados absolutamente empanturrados. O jornalista José Vilela, do Diário da Amazônia, ficou maravilhado com sua primeira experiência de cobertura de Festa do Divino no Guaporé. Certamente todos os visitantes ficaram maravilhados com o exemplo raro de fartura na cidade de Pimenteiras.

A animação nos horários de celebração da Missa também era notável. Embora ainda inacabada, a igreja de Pimenteiras é muito maior do que a antiga capela que havia no seu lugar. No entanto, durante a Festa do Divino, a igreja sempre esteve tão lotada que parecia até ser pequena. Não era a igreja pequena, mas sim a multidão que era grande demais.

A lotação da igreja também se refletia nos dois salões de baile que funcionaram durante a Festa do Divino. Todas as noites, nos dois salões, milhares de pessoas dividiam o exíguo espaço das pistas de dança que não comportavam tantos pares ao mesmo tempo. Todavia, a despeito do excesso de lotação, não havia também desentendimentos entre os dançarinos. Todo mundo procurava divertir-se sem qualquer preocupação com o eventual esbarrão em decorrência do salão lotado. Os participantes da Festa do Divino de Pimenteiras também deram um espetáculo à parte de pura civilidade.

A Festa que transcorreu tão bem, em clima de tanta harmonia, só podia ser encerrada também de forma espetacular. E o fecho de ouro da Festa do Divino em Pimenteiras coube à Missa de encerramento celebrada por D. Geral Verdier e concelebrada por D. José Maria e vários sacerdotes. Foi uma belíssima celebração que certamente ficará na memória de todos os que dela participaram. A cidade de Pimenteiras viveu dias de puro júbilo durante a última Festa do Divino do século 20 e do segundo milênio. Não haverá quem não sinta saudades dessa histórica semana vivida pela comunidade guaporeana durante a celebração da Festa de Pimenteiras. Todos que dela participaram merecem de fato parabéns. Somente o Guaporé poderia dar tão esplendoroso espetáculo.

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