O DIVINO ESPÍRITO SANTO
Zelinda e Carlos de
Lima
A festa do Divino Espírito Santo, celebração
religioso-profana, de início praticada pela
nobreza e pela gente rica, chegou mais tarde
à população mais modesta, que dela se
apropriou. Parece ter tido origem numa
instituição criada por Oto IV, Duque da
Baviera, para socorrer os pobres de seu
império, arrasado pela fome, no século XIII,
daí espalhando-se pela Europa, para chegar a
Portugal em 1296.
Segundo Marcelino Lima (“Anais do Município
da Horta”) [Açores], “existiam na Alemanha
associações de beneficência sob a invocação
do Espírito Santo, destinadas a socorrer os
indigentes em ocasiões de penúria. Em
França, no ano de 1.160, fundou-se a Ordem
do Espírito Santo, que se dedicava ao
exercício da caridade para com os pobres e
doentes”.
Câmara Cascudo chama a atenção para o fato
de que as marcas do travestimento imposto
pela igreja aos antigos cultos agrários
foram por muito tempo perceptíveis: o “Mês
de Maria” veio substituir as festas a
Afrodite, quando os portugueses penduravam
nas portas das casas as “giestas” para
comemorar o reflorescimento da natureza e a
fartura. Desde D. João I, em 1385,
comemorava-se o Divino Espírito Santo
propositadamente no mês de Maio como um
substituto da “Maia”, festa popular
portuguesa celebrada a 1o. de maio, que caiu
em desuso no século XIX, por proibição
governamental.
Foi a rainha Isabel, a Rainha Santa,
canonizada pelo Papa Urbano VIII em 25 de
maio de 1625, quem iniciou em Portugal o
culto, com a construção da igreja do
Espírito Santo, em Alenquer, ainda no século
XIII.
De começo nada mais era que um simples bodo,
distribuição de esmolas aos pobres, “alegria
caridosa e não bailarina”, na expressão de
Câmara Cascudo. Assim, com sentimento de
profunda religiosidade por parte de reis, e
depois de nobres, tiveram início estas
festividades, com a permissão para que se
fizesse uma réplica da coroa portuguesa – a
Coroa Real do Divino Espírito Santo.
Outros, porém, afirmam ter sido em Coimbra o
princípio, e se deu quando D. Diniz
(9-10-1261 – 7-1-1325) fez sentar no trono
real um mendigo e “coroou-o”, servindo-lhe o
próprio rei de condestável e os cavaleiros
da corte de pajens e escudeiros, cerimônia
presidida pelo Bispo de Coimbra, enquanto
era cantado o Veni Creator Spiritus. E ainda
Francisco Brandão, em sua “Monarquia
Lusitana” concordando que a rainha Isabel o
instituiu, afirma que foi em Cintra e não em
Alenquer, o que, afinal de contas, não tem
grande importância. Antigos cronistas, como
Frei Manuel da Esperança (“História
Seráfica”) e o Bispo D. Fernando Correia de
Lacerda, confirmam a origem em Alenquer.
Paulatinamente o costume estendeu-se a todo
o território de Portugal, para fixar-se
especialmente das ilhas dos Açores, dado o
isolamento em que por muito tempo esteve
aquela região. Todavia, tendo origem no
continente, ainda permanece vivo em
Portalegre, Marvão e Nisa, Cardigos e Beira
Baixa.
A pia instituição veio aos Açores trazida
pelos capitães-donatários, devotos e crentes
da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade,
os nobres, os navegantes e o povo agrícola e
artífice que se estabeleceram nas diversas
ilhas. Introduzida pelos primeiros
povoadores, em meados do século XV,
discute-se se ocorreu inicialmente em Santa
Maria, a primeira ilha descoberta e povoada,
ou na Terceira, com os primeiros colonos,
questão esta, aliás, irrelevante.
Ao que parece, o aparecimento de tais festas
verificou-se na ilha de Santa Maria, a
primeira povoada, onde se construiu uma
ermida sob tal invocação. Em Angra do
Heroísmo, no coração mesmo da Ilha Terceira,
tem lugar, em 1492, a criação do “Império
dos Nobres; em Vila Franca do Campo, na ilha
de São Miguel, por motivo do terremoto de
1522, inicia-se o culto, com a exposição das
coroas dos nobres sobre estrados forrados
com as mais belas colchas, e na ilha de S.
Jorge, um violento abalo de terra faz surgir
a devoção.
As festas, como as vemos ainda hoje, datam
do século XVII, com D. João IV, fundador da
dinastia de Bragança, quando do início da
Guerra da Restauração, que libertaria
Portugal do jugo espanhol, de 1640 a 1668.
Mas quem popularizou o título de “imperador”
foi Carlos V, Imperador do Sacro Império
Romano (24-2-1500 – 21-9-1558), genro de D.
Manuel, o Venturoso.
“A coroa do Imperador do Divino, tão
divulgada nos domínios insulares portugueses
e impositivo da “autoridade” divina
simbólica, é a velocidade inicial que irá
influir em todos os folguedos brasileiros
onde existir personagem coroado.” (C.
Cascudo).
As festas do Espírito Santo, tradição nos
Açores, pouco a pouco foram chegando às
camadas populares, com os primitivos
povoadores, vindos do continente. Decorrem
do Domingo da Pascoela (imediato ao domingo
da Páscoa) ao dia de Pentecostes e até ao
Domingo da Santíssima Trindade e são formas
do cumprimento de promessas para agradecer
as graças recebidas; naturalmente diferentes
em seus rituais, de um lugar para outro.
Nos Açores caracterizam-se pela existência
de um “Império” e a respectiva “Irmandade”.
O império é uma construção semelhante a uma
ermida, ostentando na fachada uma espécie de
frontão triangular onde está esculpida uma
pomba ou coroa, e destinada exclusivamente a
louvar o Espírito Santo. Na Ilha Terceira
estes pequenos edifícios alcançam maior
brilho com criações decorativas e elaborados
esquemas cromáticos. No seu interior,
ergue-se o altar onde a coroa, enfeitada com
flores, brilha à luz das velas - o símbolo
maior da festa juntamente com o cetro. Ao
lado do império fica um outro edifício, a
“despensa” de onde saem cestos de pão de
cabeça e cântaros de vinho. Ás pessoas
respeitáveis e aos forasteiros oferecem-se
“rosquinhas” fofas de pão doce, a “massa
sovada”.
A coroa, toda de prata, é insígnia da
realeza do Imperador; possui quatro ou seis
braços imperiais e tem como arremate, no
topo, uma pomba. O cetro, também de prata,
compõe-se de um punho (onde se amarra um
grande laço de fita) e uma haste de uns 40
centímetros, aproximadamente, igualmente
enfeitado com flores e fitas.
As Irmandades são associações de populares
que contribuem para a realização da festa.
A escolha do Imperador é feita com o “Tirar
o Pelouro” , ou seja, o sorteio a que se
procede para a distribuição anual da Coroa
pelos irmãos de cada uma das Irmandades. O
Imperador, recebida a notícia de sua
escolha, começa a preparar-se para a missão
a que se obriga por uma semana, logo que
receba a coroa e a bandeira, que lhe chegam
à noite, à luz de tochas e velas (a
mudança), do Império ou de outro irmão, até
que, por sua vez, a faça conduzir à casa do
novo Imperador. Então providencia os tantos
alqueires de trigo para o pão, a carne para
os quinhões de esmolas, os apetrechos da
cozinha (pratos, copos, talheres,
emprestados pelo Império), o contrato dos
músicos e as cantadeiras que animarão os
bailes, os foguetes que anunciarão o terço e
acompanham a folia e a coroação e,
finalmente, a distribuição dos convites a
parentes, vizinhos e amigos para tomarem
parte nas festividades.
A coroa, guardada na casa do Imperador, é,
em determinado dia, levada à igreja,
acompanhada pelo alferes da bandeira e pelo
portador da coroa, dentro de uma cercadura
de pessoas que portam varas, que significam
os Quatro Evangelistas.
(As varas são insígnias dos mordomos, ou
vereadores, e dos convidados ilustres –
respectivamente “vereadores da coroa” e
“vereadores da bandeira”, aqueles mais
categorizados do que estes.) Mordomos são os
irmãos escolhidos ou eleitos para a festa e
“pajem da coroa”, ou “vedor” é o que conduz
a coroa, coloca-a, ou tira-a, da cabeça do
Imperador e lhe dá o cetro a beijar.
Após a missa solene, no domingo, procede-se
à coroação do Imperador (normalmente uma
criança) e nova procissão leva todos à sede
do Império, onde se fará a distribuição da
comida, enriquecida, adornada e alterada em
termos de forma e tamanho: grandes pães ou
roscas, “vésperas” , etc.
“Nesta refeição comunitária são servidas as
“sopas do Divino Espírito Santo”, o que
implica no sacrifício de um bovino para sua
confecção: o pão de trigo é colocado em
terrinas onde é despejado o caldo da carne
cozida em caldeirão de ferro, temperado com
hortelã e canela. De acompanhamento podem
ser servidos legumes. Em alguns lugares há
um segundo prato que consiste em carne
assada acompanhada de massa sovada. Como
sobremesa também a massa sovada, o arroz
doce, e, em São Jorge, os “coscorões”. A
refeição é regada com “vinho de cheiro”. O
almoço oferecido aos Irmãos, suas famílias e
à população, preparado pela “mestra da
função”, e “oferecido de toalha ao pescoço”
pelas moças, revela o sentimento da
solidariedade, da caridade e da esperança.
A par do caráter religioso da celebração há
a parte profana, antigamente a cargo dos
foliões, que cantavam loas ao Espírito Santo
ao som de viola, pandeiro, rabeca, tambor e
ferrinhos , conduzindo uma grande bandeira
de tecido vermelho, tendo bordada uma pomba
de asas abertas, hoje substituídos pelas
bandas filarmônicas.
Os foliões tiveram origem nas festas pagãs.
Na Grécia antiga, nas bufonias, celebrações
em honra de Júpiter, nas quais se
sacrificavam bois, distribuindo-se a carne
pelos necessitados, os bufonos eram os
matadores dos bois. Tal designação veio
através dos tempos a resultar em português
na palavra bufão, significando jogral, bobo,
folião. Assim, os foliões do Divino, nos
Açores, em número variável de uma ilha para
outra, eram pessoas que se divertiam (e
divertiam os demais) usando indumentária
própria, a mais freqüente e característica,
uma opa de chita estampada e um mitra
idêntica, na cabeça.
Outro aspecto interessante é, também, a
competição acirrada dos partidos, todos
empenhados em fazer “coroação de estalo”:
“terroristas” versus “saiotes”, animados por
“altercações e briguinhas quizilentas (que)
não só enchiam os cavacos de tenda,
sociedades de recreio, adro e barbearia,
como adornavam o falatório das mulheres,
disparado de janela a janela e barrelado nas
pias do chafariz” ”, conforme a deliciosa
descrição da festa, feita por Àlamo
Oliveira.
“O Ti Francisco Florindo diz que, hoje, as
festas do Espírito Santo, na freguesia, já
não têm sabor. Falta-lhes o sal dos partidos
e a pimenta das brigas.”
Festa da nobreza, o povo dela apropriou-se e
foi-lhe produzindo modificações, existindo
hoje variantes de ilha para ilha e até de
freguesia para freguesia. As diferenças
estendem-se também quanto aos instrumentos:
em S. Miguel usam rabeca, viola de arame e
sistros (chocalhos); noutras localidades,
tambor e ferrinhos; em Santa Maria, Flores e
Corvo, testos, que são uma espécie de pratos
metálicos.
Cada folia tem uma bandeira com a pomba do
Divino e um dos que trazem pandeiro puxa a
cantiga, quase sempre improvisada, que os
demais repetem. Tais cantigas costumam ser
não só de devoção religiosa como de jocosa
crítica social.
Na ilha do Faial, em 24 de abril de 1672,
por ter o povo sobrevivido a uma violenta
erupção vulcânica, nasceu o Império dos
Nobres, que tomou a si a obrigação de
distribuir esmolas “todos os anos enquanto o
mundo durar”; desde então a Câmara promove a
procissão que, saindo da igreja Matriz,
recolhe-se à igreja da Misericórdia, onde se
canta a missa com sermão a que assiste a
edilidade, “fazendo-se gasto e despesa à
custa dela, em ação de graças”.
Antigamente fazia-se uma “arramada” no meio
da rua (posteriormente substituída pelo
“Império”, do qual já tratamos) e no
“teatro” (tablado abrigado do sol por uma
cobertura de ramagens) expunha-se a coroa,
oferecendo o Imperador um jantar aos Irmãos.
Debaixo da ramada fazia-se a distribuição
das esmolas.
Mas os excessos que os ricos introduziram na
festividade tornou-a inacessível aos
remediados, que não podiam imitá-los,
esquivando-se à obrigação de imperadores.
Estabeleceu-se, então, que “o imperador
seria obrigado a contribuir com tudo o que
fosse necessário para o serviço de sua mesa
no teatro”, mas tal “se fundasse em um só
serviço de doce, e no que respeita às
esmolas que o dito imperador deve dar aos
pobres, de pão não será menos de um moio de
trigo, carne proporcionada ao dito pão
repartido em esmolas, e não terá obrigação
de contribuir com mais cousa alguma”.
Em 1597 mandou El-Rei acabar com as festas
de bodo, “pois diversos imperadores gastam
com elas o que não têm, sujeita a
desobediência à pena de multa”.
No desempenho das várias funções
relacionadas ao desenvolvimento da festa
serviam como copeiro, trinchante (ou viador)
e porta-estandarte, pessoas gradas como o
capitão-da-guarda e oficiais da milícia, que
conduziam as lanternas e pegavam as varas do
pálio. Algumas festas deixaram registro na
história como as promovidas pelo cônsul
francês Sérgio Pereira Ribeiro, em 1812; a
do morgado Jorge da Cunha, em 1822 e 1831;
da baronesa de Alagoa, D. Francisca de
Paula. Nesta, feita em cumprimento de uma
promessa, quando da prisão política de seu
marido, coroou seu filho José, servindo de
pajem o outro filho, Manuel. “Vestiram-se
doze pobres; o bodo foi abundantíssimo e
pejada de iguarias a mesa do teatro. A
residência do morgado, que era ali mesmo,
esteve engalanada de ricas colgaduras e de
bandeiras. Houve um baile esplêndido, que
ficou memorável e também iluminação em toda
a rua da Misericórdia.” (Anais do município
da Horta”, Marcelino Lima).
Outra vez, porém, o Império esteve a
extinguir-se por não haver quem quisesse ser
Imperador, mesmo porque o jacobinismo de
então achava que o progresso implicava na
libertação das peias religiosas. Em 1825 a
Câmara determinou que não se fizesse despesa
com império e foliões, o dinheiro arrecadado
fosse todo distribuído aos pobres, ao fim da
missa. Mas, doze anos depois, já a Câmara
devolvia a promoção da festa ao Império de
Reconhecimento e Beneficência.
A República, “toda entufada de critério,
atirando vassouradas a velharias e praxes, e
o Município, seu digno representante,
repudiaram afanosamente o compromisso dos
antepassados, feito numa hora sagrada de
penúria e de angústia, expressão da mais
pura beleza moral – a Caridade. (...)
Presentemente é de novo a Câmara, regressada
ao bom senso, que se incumbe da festividade
religiosa e serviços do império,
contribuindo de mãos dadas com alguns
particulares para as despesas do bodo.
Normalmente distribuem-se 800 a 1.000
esmolas.
Mas de significação em significação, o
Império dos Nobres, a não ser o pão e a
carne que dá, já pouco, muito pouco
representa do que foi no início”.
No Domingo de Pentecostes – o primeiro
Domingo do Espírito Santo, depois que a
coroa e o cetro são impostos a uma criança,
ou ao imperador, é distribuído pão e vinho a
toda gente participante. Esta partilha em
lembrança de que todos são iguais perante
Deus é também o cumprimento de uma promessa,
promessa que ao invés de sacrifício é de
alegria. “O próprio Imperador, ao contrário
dos habituais poderes terrenos, recebe por
um dia, não o direito de ter benesses, mas o
formidável poder de dar a todos.
Festejos como estes e irmandades como estas
existiram na Europa Medieval, nomeadamente
na Itália, França e Espanha. Em Portugal foi
a própria realeza a apoiar os festejos e as
esmolas dadas. Mas, se até mesmo nos inícios
do século XIX há ocorrência de festas em
diversos pontos do país, estas se
desvaneceram a ponto de hoje se pensar que
são caracteristicamente açorianas e nada
mais”.
Um estandarte abre o cortejo da coroação
empunhado pelo “alferes”; o pajem conduz a
Coroa numa salva de prata, ladeado por
quatro “vereadores” que sustêm as varas
ornadas com flores artificiais. Tais
emblemas conservam-se cada uma das sete
semanas em casa de um “imperador” para serem
expostos no domingo e na segunda-feira do
bodo, no “império” ou “teatro”. A
sexta-feira é chamada “dia do bezerro”; no
sábado faz-se a distribuição das esmolas e o
domingo é o “domingo da coroação”. No
terreiro, os lavradores reúnem seus carros
de bois, cobertos de “sebes de toldo” e
moças distribuem os “serviços” de alfenim,
de “espécies” e de limões.
Receber o Espírito Santo em casa é uma honra
e uma alegria. Da casa sai um grupo de moças
e senhoras ao encontro do cortejo, sobre o
qual lançam pétalas de flores. Ao meio da
sala está armado um trono com sanefas, onde
ficarão expostas as insígnias – a coroa e o
cetro. Durante sete dias reza-se o terço,
seguido de um serão de descantes e
folguedos.
Na sexta-feira, chamado “dia do bezerro”,
sacrifica-se um boi, que chega enfeitado de
fitas e flores, em cumprimento de promessa,
recebido com a cantoria do “Pezinho” pelos
tocadores de viola e os afamados repentistas
– a Folia dos Bezerros. À porta do imperador
obriga-se o touro a ajoelhar-se para ser
tocado na testa com o cetro, depois do que é
sacrificado e a carne distribuída “em
esmolas de quilo ou meio-quilo, dispostas em
pratos ao lado de pães de cabeça, com uma
flor espetada, em cavaletes atoalhados em
frente da porta do imperador, na tarde de
sábado. Os contemplados são os pobres do
lugar”.
No domingo, depois da missa, realiza-se a
“coroação”, e nas cidades o pároco tem que
esperar dois ou mais cortejos antes de subir
ao altar. Vem à porta do templo para
recebê-los e aspergi-los. Coroadas as
crianças designadas pelos imperadores ao som
do Veni Creator, o padre acompanha-os de
novo até o adro, entoando o Magnificat.
Findas as festas, reorganiza-se o cortejo, o
Imperador coroado à frente, de volta para
casa, onde se processa a “descoroação”,
seguida do jantar e, pois, “a mudança”, de
que já falamos, isto é, a entrega das
insígnias ao próximo imperador.
À porta do Império procede-se o leilão das
“promessas” (galinhas, pombos, coelhos,
bezerros, etc.) cujo produto reveste em
favor da festa do bodo, mas onde também
aparecem ex-votos (braço, perna, cabeça,
etc.) feitos de alfenim e correspondentes às
partes afetadas pelas doenças, e procede-se
à extração do pelouro. É o fim da festa e o
recomeço dela.
“O Espírito Santo continua a ser a mais
intensa e castiça afirmação comunitária da
existência nas Ilhas dos Açores.” Sob o
ponto de vista exterior verificam-se as
procissões, as danças, os banquetes; quanto
ao religioso, as penitências, obras de
caridade (os petitórios, as esmolas)
refletem a fé robusta das gentes, a vivência
espiritual das orações.
Estas são, em traços gerais, as comemorações
açoreanas ao Paráclito, descrição baseada
nos textos do Dr. Francisco dos Reis Maduro
Dias, entre outros.
Foi
trazida para o Brasil no século XVI, segundo
Câmara Cascudo, e existe (ou existia) no
Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão,
Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Santa
Catarina e São Paulo. Popularizou-se a ponto
de ter dado azo a que José Bonifácio
astutamente haja escolhido para Pedro I o
título de Imperador, e não Rei, “porque o
povo estava mais habituado com o nome”, por
causa do Divino. (Cascudo).
“Mas o caráter arcaico destas festas vai-se
progressivamente perdendo. As “folias
desapareceram. O terço entoado pelas ruas é
substituído pela filarmônica. Ao pobre pedir
sucedeu a menina de luvas e vestidos de
tule. As moças casadoiras, em grande
toilette, são agora os “pajens da coroa” –
queixa-se o cronista ilhéu. Tal igualmente
vai acontecendo no Brasil. Parece que
somente em Santa Catarina e no Maranhão ela
ainda se reveste de certo esplendor, e
coincidentemente nos dois locais em que foi
mais intensa a influência açoriana.
Das festas de Mataporcos (Estácio), do Campo
de Santana e da Lapa do Desterro (Glória),
no Rio de Janeiro, de 1853 a 1855, dá-nos
Melo Morais Filho uma descrição minuciosa em
uma dezena de páginas de seu livro “Festas e
Tradições Populares do Brasil”: a música dos
barbeiros, escravos negros, com suas
quadrilhas e fandangos; o mastro encimado
por uma pomba prateada e, a baixo, a
bandeira do Divino; a foguetaria e os
repiques de sinos; as cantigas, etc.
“A pombinha vai voando
a lua a cobriu de um véu,
o Divino Espírito Santo
pois assim desceu do céu.”
“Nos ranchos – continua – um rapazola ia com
a bandeira, sendo as vestimentas de todos
casaca e calções escarlates com galões de
ouro, colete de seda branca debruada de
cores, sapatos baixos de fivela, chapéu de
feltro de copa afunilada e abas largas,
ornado de fitas, distinguindo-se o
porta-estandarte por vestuário mais pomposo
e pelo grande tope de flores, pregado no
chapéu, de forma diferente.” Dos bandos da
“folia” à hora em que, “na casa do festeiro
roncava o baile”, passando pela eleição das
mesas das Irmandades, os leilões, a missa,
até os “doze velhos cabeçudos, com suas
competentes lunetas, casacas de rabo de
tesoura e botões de papelão, andando curto,
arrastando os pés, que seguiam para o
tablado, às risadas dos espectadores, que
lhes aplaudiam os desgarres”, figuras
egressas das antigas festas religiosas
tradicionais de Portugal que, decadentes as
do Divino, acabaram, depois, por refugiar-se
no Carnaval brasileiro.
O Campo de Santana sintetizava o grosso da
função: na rua de S.Pedro uma fila de
barracas assemelhavam ter os tetos de fogo e
nas portas e balcões os vendedores de sorte
e de comidas gesticulavam e gritavam como
possessos; as lanterninhas das quitandeiras
faiscavam, as músicas estrondavam e “a
multidão com suas vestimentas pitorescas,
apinhada no chafariz que aí existia, ou
movendo-se em grupos, lembrava um quadro de
mestre da escola veneziana. Quando as
luminárias acendiam-se, o campo regurgitava
de curiosos e de gente que comprava sortes,
ceava nas barracas, caminhava ao acaso e
recebia entradas” para as barracas que
exibiam desde ginástica e quadros vivos,
mímicas, pirâmides humanas, volteios
eqüestres, teatrinho de bonecos, comédias, e
mágicas.
“No império, o imperador, com seu manto
verde e sua coroa dourada, dominava no meio
de sua corte... Eis o que era naquele tempo
a festa popular do Divino, quando a nossa
sociedade não tinha a pretensão de querer
impor-se pela decadência de seus costumes e
pelo enervamento de seu senso religioso” –
lamenta.
Vitorino Nemésio, em “O Segredo de Ouro
Preto e outros ensaios”, depõe como
partícipe da festa do Divino no Encantado,
em Inhaúma (Rio), realizada no dia 8 de
junho de 1852. “Jamais prosa ou voz viva
descreverão capazmente esta romaria a ilhéus
atrás de uns vitelos enfeitados, ao comprido
de subúrbios fragosos de uma metrópole de
milhões de, no suor e no pó de uma fila
compacta de festeiros, rente aos camiões e
bondes de uma população sortida e alegre que
traja à frescata.” Porque são os
descendentes dos açoreanos, que há mais de
cem anos talham bifes e churrascos nos
açougues cariocas e fundaram o Império do
Encantado, os que agora fazem a festa. “Hoje
os netos de Ti João da Ilha e de Tiazé ainda
desfilam ao som do Pezinho, no milagre da fé
milenária enriquecida e transmitida –
perene!”
“Abençoai a todos nós
com a vossa divindade”
entoam os cantadores.
Diversos Impérios houve no Rio de Janeiro:
no largo do Estácio, o da Floresta, o de
Maracanã.
O ten. cel. Lima Figueiredo, em “Cidades e
sertões” transcreve crônica de Otávio
Tavares sobre o festejo do Divino no lago
Janauacá, Amazonas:
“Numa canoa engalanada com folhas de
palmeira e totalmente iluminada com
lanternas e papéis coloridos são colocadas
as insígnias do Divino. Noite escura.
Acompanhando aquela canoa, mil outras, de
todos os feitios, desde a ubá fragílima até
a igarité de fundo chato, e menos perigosa,
coalham o lago, “dando a impressão de que há
boiando pequeninas ilhas floridas. Terminada
a procissão são colocados dispositivos
cheios de azeite protegidos com papel de
seda de todas as cores – e acesas as
grisetas - o lago toma um aspecto grandioso
oferecendo-nos uma orgia de cores como se
houvesse tombado sobre ele um arco-íris
aceso e partido aos pedaços, cujos
fragmentos ficassem a boiar, a boiar, dentro
da moldura tenebrosa das selvas...”
Assemelha-se aos “Irmãos da Canoa”,
Irmandade que promove os festejos do Divino
em Tietê, S. Paulo, que Alceu Maynard Araújo
descreve em seu “Documentário Folclórico
Paulista”: “Sociedade sui generis – uma
confraria sem estatutos, sem reuniões, sem
diretoria eleita (apenas com um presidente
perpétuo, o ilustre folclorista e
historiógrafo Benedito Pires de Almeida),
porém onde há disciplina e fraternidade.
Embora se dividam em dois grupos: irmãos do
rio acima e do rio abaixo, sob o mesmo
uniforme se unem todos os devotos, irmãos de
uma só Irmandade – a do Divino Espírito
Santo. Dirigem-na o mestre e o contramestre,
também denominado “Irmão Andante”. Figuram
ainda o trio indispensável: “bandeireiro”,
alferes da bandeira do Divino, e “folião”,
violeiro, chefe da “folia , grupo angariador
de esmolas (constituído por meninos, com
caixa e ferrinhos) e o “salveiro” que, com
trabuco, dá “salvas”, as descargas
louvadoras ao divino patrono. Quarenta e
cinco dias antes da festa, os grupos vão
esmolar, rio acima e rio abaixo, dançando o
religioso “cururu” e, quando remam, cantando
a “serenga” . No último domingo do ano é o
dia máximo da festa – há o encontro das
canoas. Das que angariaram donativos rio
acima e rio abaixo. (...) há o “encontro”.
Os rojões sobem, as bombas espocam
ensurdecedoras e a multidão delira. Findo o
encontro as canoas voltam para o Porto
Velho, onde os irmãos da canoa, festeiros,
autoridades religiosas, civis e militares
desembarcam, rumando com milhares de
pessoas, em procissão, conduzindo o Divino
até à matriz. Os romeiros com seus
tradicionais uniformes brancos, carapuça
vermelha, descalços, remos arvorados,
penetram na igreja. Há uma cerimônia
religiosa.”
Em Santa Catarina a festa, sendo a mesma,
toma tons diferentes: “Da Bandeira pendem
fitas multicores, que na sua romaria são
acrescidas de outras fitas ofertadas pelos
fiéis; da orquestra constam o tradicional
bombo, de batida característica, sem faltar
a rabeca, de som indispensável na orquestra,
o violão, a viola com suas quatro cordas, a
gaita, os pandeiros e a cantoria pelo
mestre, que, além dos versos tradicionais,
improvisa, homenageando pessoas importantes
que prestigiam as bandeiras”. Mas até a
queixa é a mesma: “Não revestida com as
formalidades e simbolismo do passado, quando
em cada povoado uma comissão de irmãos da
Irmandade do Divino, portando as suas
“opas”, acompanhava o grupo de “foliões” na
sua tarefa de recolher ofertas.” (Doralécio
Soares, “Folclore Brasileiro”.
Em São Paulo, segundo Hélio Damante
(Folclore Brasileiro), “é intrinsecamente
pobre, limitando-se ao grupo de cantadores e
músicos, que dão seu recado, levam o Divino,
enfeitado de fitas, a percorrer as casas, e
depois se despedem “até o ano que vem”, como
nestes versos, recolhidos em Mogi das
Cruzes:
O Divino se despede
nesta hora de alegria.
Se despede e vai deixando
Esta rica companhia.
Viola, cavaquinho, caixa, reco-reco
incluem-se no instrumental”.
Em
Goiás festeja-se o Divino em várias cidades:
em Pirenópoles, desde o ano de 1819 existe a
festa do Divino, que compreende novenário,
procissão, mastro, e naturalmente, Imperador
e Mordomos, além da Coroa e Bandeira. Mas, o
que caracteriza a festa do Divino de
Pirenópoles é a presença de 80 a 120
cavaleiros com máscaras de papelão na forma
de cabeças de boi, enormes chifres ornados
com flores de papel, vestindo roupas
coloridas, que percorrem as ruas durante
tardes e noites, do sábado a terça-feira, e
se apresentam no “campo das cavalhadas”. “Na
terça-feira, ao final dos festejos, sairão
atrás da Banda de Música até à casa do
imperador, para, juntamente com muitas
outras pessoas envolvidas,“entregar a
Festa”. (Carlos Rodrigues Brandão, “O
Divino, o Santo e a Senhora”)
As festas populares e tradicionais não podem
ser apenas consideradas “eventos”, pois,
como dizem Francisco Weffort e Márcio Souza
(“Um olhar sobre a cultura brasileira”) “das
mais tradicionais às mais modernas , deitam
raízes profundas na vida dos grupos que as
promovem”.
É
lícito supor que o culto ao Divino Espírito
Santo tenha sido trazido ao Maranhão pelos
primeiros açorianos que aqui chegaram, em
duas levas: a primeira em 1620, trazida por
Manuel Correa de Melo, por conta de Jorge de
Lemos Bittencourt, e a segunda por Antônio
Ferreira Bittencourt, no ano seguinte,
partes da imigração de 200 casais que viriam
construir dois engenhos de açúcar, plano do
provedor-mor do Brasil Antônio Muniz
Barreiros.
No Estado o Divino é cultuado em várias
localidades, principalmente na capital e em
Alcântara.
Na cidade destacam-se, entre outras, as
festas promovidas pela “Casa das Minas” e
pela “Casa das Nagôs”, dois templos de culto
afro-brasileiro. Em Alcântara alcança grande
brilho, muito embora não tenha mais a pompa
dos tempos da nobreza imperial da velha
cidade, quando até 13 festeiros por ano
promoviam disputa para fazer a melhor
figura. Hoje, se aparecem 3 dispostos a essa
responsabilidade, são muitos!
Os festejos do Maranhão distinguem-se dos
demais pela presença marcante das
“caixeiras”, geralmente senhoras idosas que,
com toques característicos, acompanham os
cortejos, ruflando grandes caixas, no feitio
dos antigos tambores militares. São em
número variável, de 6 a 10, e são elas que
tiram as cantigas, quase sempre
improvisadas.
Sobre a festa de Alcântara temos dois
trabalhos publicados: “A festa do Divino
Espírito Santo em Alcântara (Maranhão)”, em
2a. edição de 1988, e “ Festa do Divino”, de
1999, “um roteiro a altura da sabedoria dos
melhores “mestres-salas” (segundo a
folclorista Maria Michol Pinho de Carvalho),
organizado, com a audiência de antigos
moradores de Alcântara, do domingo de
Pentecostes (primeiro e último dia da
comemoração), dia a dia, passo a passo, com
o único fim de proporcionar às novas
gerações o esquema do tradicional festejo,
para que seja ele realizado com, pelo menos,
as mínimas obediências aos padrões antigos.
Seria fastidioso repetir aqui, para
Alcântara, o que foi copiosamente dito
acerca do Divino em outros lugares. Falemos
apenas das diferenças existentes:
O Império compõe-se de 13 pessoas: 1
Imperador (que a cada ano se alterna com 1
Imperatriz), 1 Mordomo-Régio e 5
Mordomos-Baixos (Mordomas, no caso da
Imperatriz). A cor oficial do Imperador é a
vermelha; o verde, a do Mordomo-Régio. Os
demais adotam o azul-claro, ou o rosa.
Integravam a Folia petitória, que
antigamente percorria léguas e léguas de
estradas, 1 bandeireiro, 3 caixeiras, 3
bandeireiras (meninas), 2 cidadãos de
confiança e carregadores para o transporte
das ofertas, além do “Vicente”, um menino
que recolhia as esmolas em dinheiro, assim
chamado (não se sabe porquê) fosse Pedro,
João ou Marcelo. Tais folias não mais se
realizam, pois as oferendas são cada vez
mais raras, seja pela apertura geral, seja
pela religiosidade que parece minguante, não
compensando as despesas da viagem. Foram-se
os bons tempos em que os devotos ricos davam
dois, três bois para a festa, capoeiras
inteiras de galinhas, de presente para o
Divino. O fazendeiro, hoje, nas mais das
vezes “gente de fora”, não acredita mais nos
poderes do Divino, opera no open-market,
acessa a Internet, pertence à UDR. Por outro
lado, é muito perigoso, impraticável mesmo,
andar por ínvios caminhos carregando uma
coroa de prata... se nem os santos antigos
têm assegurada sua permanência nos nichos
das igrejas!
Na quarta-feira, véspera da Ascensão, dá-se
a chegada do mastro ao porto do Jacaré: sob
intensa foguetaria e música da banda, salta
do barco um tronco de 10 metros, ornamentado
com ramos de murta e é conduzido aos ombros
de uma vintena de caboclos e cavalgado por
inúmeras crianças. O cortejo de festeiros,
caixeiras, músicos e toda a multidão de
gente percorre as ruas da velha cidade até
atingir o local apropriado, onde é erguido,
plantado e enfeitado com cachos de banana e
cocos da praia. No topo, aberta ao vento,
oscila nos gonzos, tangida pelo vento, a
bandeira do Santo, com a coroa, ou a pomba.
Durante o percurso as cantoras tiram versos
e os carregadores respondem com o refrão:
“Que bonito pé de mato
(arê, arê-ê-ê-ei – a)
que a natureza botou
(arê, are-ê-ê-ei – a)
para me servir de mastro
(arê, are-ê-ê-ei – a)
para o nosso Imperador
(arê, are-ê-ê-ei-a)”
As
mesas de doces são uma história à parte pela
criatividade de seus autores – Antônio
Tavares, Ênio Aymoré Ramos, Diógenes Ribeiro
e outros tantos que deixaram fama de grandes
decoradores, substituídos por D. Mariazinha
Bastos, Antônio Tavares Neto, Gerson Brito,
etc. e onde se destacam os excepcionais
“doces-de-espécie”, simples ou duplos, no
feitio de folhas, cestos, bichos, etc.,
etc., receitas e habilidades transmitidas de
geração a geração.
E as “prisões”? A mando do Imperador, um
vassalo, com seu séqüito, vai à casa de um
Mordomo “prendê-lo”. Cada “preso”
incorpora-se ao cortejo, ao som dos cânticos
das caixeiras e gritos do povo... e vai ao
próximo Mordomo. Por fim, todos visitam o
mastro, onde, para se libertarem, pagam
prendas ao Divino.
E as “visitas” dos Mordomos ao Imperador? Á
porta de cada Mordomo, grita o Mestre-Sala:
“- Viva o Mordomo em trânsito! E toca-se um
trecho do Hino Nacional. Assim vão, de casa
em casa, à luz mortiça das espaçadas
lâmpadas de Alcântara e dos fogos de
artifício e das lanternas de papel colorido,
até ao Imperador, que sai ao encontro da
farândola folgazã, e, entrando todos à casa,
tem início o baile e os comes-e-bebes até à
madrugada! Haja fôlego para tantos
folguedos, pois todos os dias da semana são
dias de prazer e de alegria!
Mas, ainda há o domingo-do-meio e outra
semana em que o Imperador retribui as
visitas dos Mordomos, e são novos desfiles e
bailes, para chegar, finalmente, o grande
dia – o domingo de Pentecostes: missa às 10,
o Imperador de aul-marinho; Mordomos de
ternos escuros; os mais, de vermelho, até as
pombinhas, obrigadas à regra, engraçadas nas
suas jaquetinhas rubras, aninhadas nas
bandejas!
O almoço do dia é vário e farto, toda a
tradição da cozinha portuguesa apurada pelo
negro e pelo índio: a galinha assada, de
molho pardo, o vatapá, o bolo de arroz, as
tortas (fritadas) dos gostosos camarões de
Alcântara, com o acompanhamento
indispensável da farinha d’água... e o molho
de pimenta grosso pedindo grogue, e o vinho
à vontade, que os festeiros têm mão-aberta,
o governo deu ajudazinha, os fiéis
cooperaram, o comércio também; os doces
variados, de coco, de buriti, de goiaba, nas
compoteiras antigas remanescentes de outras
festas, de outras casas, de outra gente rica
e poderosa... branco no Senado da Câmara,
pretos no eito plantando algodão, Sinhozinho
em Coimbra estudando “leses”!
Mas... todos para igreja. Sai a procissão: o
rapaz com a bandeira grande, o andor de seda
brilhante, em cujo nicho de abriga a Coroa
fulgindo ao sol, levado por quatro moças em
toalete de gala, seguido pelo Imperador
fardado, botões dourados, dragonas, luvas,
cetro, o manto escarlate, guardado por dois
vassalos, de roupa cinzenta e faixas
verde-amarelas atravessadas ao peito. E os
Mordomos com seus séqüitos e a orquestra e o
povo. De vez em quando estronda um foguete
de taboca. Nas janelas as pessoas rezam e se
benzem... O Divino vai passando,
misericordioso, dispensando bênçãos,
concedendo graças!
Recolhe-se a procissão. Realiza-se o
“pelouro”. São revelados os nomes dos
próximos festeiros. No dia seguinte o
Imperador irá de casa em casa investindo nas
funções os escolhidos.
Acabou-se a Festa do Divino. Outra Festa do
Divino está começando.