Lajes do Pico
ESPÍRITO
SANTO |
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Uma
descrição do século XIX |
«A
festa do Espírito Santo,
era chamada
outrora a Páscoa rosada, e na
linguagem litúrgica o Pentecoste.
Adora-se o símbolo fálico da Pomba, e o
fervor dos divertimentos era tal, que o
rei D. Manuel proibindo os Bodos,
permitiu que só se conservassem os do
Espírito Santo: «Que nem façam vodos de
comer e de beber, posto que fora das
egrejas sejam, e que digam que os fazem
por devoçam dalguns Santos, sob pena de
todo o que era pera o tal vodo se
receber se pagar o dobro da cadea por
aquelles que o asi pedirem e receberem,
não tolhendo porém os vodos do Espírito
Santo, que se fazem na festa de
Pentecostes; porque somente concedemos
que estes se façam e outros nenhuns
nom.» [Ordenações Manuelinas] Heitor
Pinto descreve alguns dos caracteres
populares desta festa: «A prosperidade
do mundo é como Império de Pentecoste de
aldeia, que se costuma em Portugal, ou
como o rei da fava em França que não
dura mais que um dia ou dois. Um
lavrador faz-se imperador, servem-no de
joelhos, levam-lhe a salva, falam-lhe
por majestade, está vestido às mil
maravilhas: acabada a festa, torna os
vestidos a cujos são, e fica tão aldeão
como dantes, tão baixo e abatido como
sempre fora [Imagem da Vida Christã].» O
padre Manuel da Esperança, na Crónica
Seráfica, diz que esta festividade fora
instituída pela rainha Santa Isabel, em
Alenquer (…).
O Espírito Santo é (...) a festa
característica dos povos açorianos (…).
Diz José das Torres [Almanach de
Lembranças]: «Não há vila, não há
aldeia, não há lugar, não há bairro, não
há freguesia, não há rua que não tenha –
irmandade do Espírito Santo… Que de
Impérios e Coroações por todas as ilhas
dos Açores desde a Páscoa da
Ressurreição até à domínica da Trindade!
[Panorama] Consiste a festa num grupo de
indivíduos constituídos em irmãos do
Espírito Santo lançarem sortes entre si,
e por estas compete a cada um contribuir
com uma pensão de tantos alqueires de
pão alvo, ou com certas arrobas de
carne, ou com almudes de vinho. Neste
sorteio entra a coroa e o ceptro com uma
pombinha de prata na ponta, e uma
bandeira de cetim vermelho tendo bordada
a fio de ouro uma pomba com as asas
abertas. Aquele a quem sai a coroa fica
com ela durante esse ano em casa,
colocando-a num altar e obrigando-se a
iluminá-la aos sábados de todas as
semanas que vão da Ressurreição à
Trindade. Nestes sábados é a porta
franca para os bailhos (charambas,
sapatêas) ao som de viola de arame, em
redor, homens e mulheres diante do sítio
em que está a coroa. No domingo em há
festa do Império, o dono da casa sai
para a missa com quatro foliões na
frente com opas e mitras de chita,
tocando viola, rabeca, ferrinhos, e o
que deita as cantigas leva uma fogaça de
alfenim em forma de torre. Atrás vai uma
criança vestida de anjo, com a coroa na
cabeça, e um grande acompanhamento
lançando foguetes. Chegados à igreja a
coroa é posta sobre o altar e no fim da
missa o padre põe na cabeça da criança a
coroa, e volta o séquito para casa, onde
há sempre um lautíssimo jantar. Ao canto
da rua há um catafalco enramalhetado,
com uma mesa onde se coloca a coroa; os
mordomos do Espírito Santo acompanham os
carros de bois: uns carregados com sebes
de pão cozido, outros com tonéis de
vinho e outros com rezes mortas, e vão
percorrendo as ruas entregando em cada
porta as pensões, que competem a cada um
dos da irmandade. Há também mesas ao
longo das ruas com pensões de carne, pão
e vinho que se dão a cem e mais pobres,
que vão munidos de bilhete. À tarde
tiram-se as sortes para o ano seguinte,
e então sai a coroa a outro irmão que é
apregoado. Sabido o destino da coroa, é
ela levada já noite fechada de uma casa
para a outra, por um rancho de raparigas
em cabelo e vestidas de branco, com uma
vela acesa na mão na qual pegam com um
lenço; sai-lhe ao encontro outro rancho
de raparigas a receber a coroa,
misturam-se e vão para casa do
Imperador, onde há charamba até ao dia
seguinte. Há fogo-de-vista, girândolas,
berros, e grossa pancadaria entre os que
liquidam as suas rixas nessas noites de
santo entusiasmo.»
Teófilo Braga, O Povo Português
nos seus Costumes, Crenças e Tradições,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, Volume
II, 1986 [1885]: 201-204 |
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Origens e significado
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Com origem na vila de Alenquer pela
piedade da Rainha Santa Isabel, as
festas em louvor do Divino Espírito
Santo vieram para os Açores com os
primeiros povoadores. Aqui têm sido
continuadas e ainda hoje mantém parte do
seu vigor. As erupções vulcânicas na
ilha foram a razão próxima desta
devoção. As populações apavoradas
prometeram votos ao Divino e depois
nunca mais deixaram de cumprir esse
voto, até porque em outras ocasiões
diversas calamidades renovaram as razões
dos primeiros votos. No espírito inicial
da Rainha Santa, estas festas
constituíram sempre momentos especiais
de demonstração de solidariedade para
com os mais desprotegidos. Os “bodos”
(ofertas em géneros) a pobres, velhos e
doentes tiveram várias formas ao longo
dos séculos. Hoje em dia, essa
manifestação caritativa reveste-se de
aspectos mais formais e mesmo de algum
fausto, esbatendo-se, por outro lado, a
sua vertente pagã e festiva. |
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ESPÍRITO SANTO |
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As
Festas
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A descrição que se segue é de ordem
geral, podendo em cada lugar e em cada
momento verificarem-se variações
formais.
As Festas do Espírito Santo
compreendem dois tipos distintos de
festejos: as Coroações e os Impérios.
As Coroações têm tradicionalmente lugar
em todos os domingos compreendidos entre
o domingo de Páscoa e o Pentecostes – e
ainda no domingo de Pentecostes,
segunda-feira de Pentecostes e domingo
da Trindade. Há cerca de cinquenta anos
deixaram de se realizar Coroações nos
domingos anteriores ao Pentecostes.
Quanto aos Impérios, recaem sobre o
domingo e segunda-feira de Pentecostes e
o domingo da Trindade, realizando-se em
simultâneo com as Coroações desse dia.
As Coroações resultam de promessas
individuais. À sua frente encontra-se um
Mordomo. Ao longo da semana em que
decorrem os festejos, o Mordomo entra em
posse dos emblemas do Espírito Santo:
duas Coroas, três estandartes e um
espadim. Num Salão (Cultural e
Recreativo), as insígnias são instaladas
num altar realizado para o efeito. Na
freguesia das Ribeiras, o salão da
Irmandade da Segunda-Feira do Espírito
Santo é exclusivo destes festejos. No
domingo, realiza-se a Coroação
propriamente dita. Esta incide sobre
duas crianças ou adolescentes escolhidos
geralmente entre os filhos do Mordomo.
Os cortejos que a rodeiam obedecem a um
certo número de constantes: à frente
seguem três “quadros” formados com
varas, no interior dos quais seguem os
três estandartes; de seguida, vêm os
dois “quadros” das Coroas. Estes
“quadros” são formados por crianças, com
predominância de meninas, vestidas
geralmente de branco. Em cada um deles,
além das crianças que formam o “quadro”
propriamente dito e das que conduzem os
estandartes e as Coroas, integram-se
também duas meninas que transportam
consigo ramos de flores. No termo do
cortejo integra-se o Mordomo – que se
faz acompanhar de uma vara própria, a
“vara do Mordomo” – seguido do restante
acompanhamento. Estes cortejos são
acompanhados por uma “folia” – quatro
tocadores/cantadores – ou por uma banda
filarmónica.
Quanto à componente alimentar das
Coroações, ela assenta na preparação de
um certo número de alimentos que
requerem grande tempo de preparação e
dispêndio importante de recursos
financeiros. Este gasto é suportado pelo
Mordomo, que recebe entretanto um certo
número de “visitas” em géneros ou em
dinheiro. O “jantar” das Coroações (hora
de almoço) é uma grande refeição (quase
setecentas pessoas na Ribeira do Meio e
na Silveira), que consta de “Sopas do
Espírito Santo” (carne de bovino,
cosida, e respectivo caldo com fatias de
pão), carne assada, pão de massa sovada,
arroz doce e vinho. A refeição
realiza-se no termo da missa e tem lugar
nos Salões. Noutros tempos, as Coroações
envolviam outras prestações alimentares,
como as esmolas dadas a duas a três
dezenas de casas mais pobres de cada
freguesia; hoje, estas prestações estão
limitadas numa distribuição porta a
porta das “Sopas do Espírito Santo” – em
lares mais necessitados ou de doentes
que não podem deslocar-se.
Os Impérios estruturam-se em torno de
um conjunto de distribuições
generalizadas de “bolos” – ou “vésperas”
– que têm lugar nas tardes de domingo e
de segunda-feira de Pentecostes e de
domingo da Trindade. Realizam-se a
partir da Capela do Espírito Santo (ou
Império) onde as Coroas ficam em
exposição. Simultaneamente, tem lugar um
arraial, com exibições de Filarmónicas,
arrematações, comes e bebes, etc.
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