FESTAS DO
DIVINO ESPÍRITO SANTO
Joi
Cletison. Historiador, Diretor do Núcleo de Estudos
Açorianos da UFSC
Podemos afirmar, com muita segurança que uma das
marcas mais expressivas que a cultura portuguesa
legou ao Brasil é a religiosidade. Esta
religiosidade se manifesta de várias maneiras, mas o
Culto ao Divino Espírito Santo, com devoção à
Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, é a
expressão religiosa desta cultura que está presente
praticamente em todos os recantos do nosso país, com
traços comuns, bem demarcados e fortemente
conceituada. A fidelidade a estes cultos remonta a
origens medievais.
No litoral brasileiro podemos encontrar o culto ao
Divino Espírito Santo desde o Maranhão até o Rio
Grande do Sul, e em direção ao oeste do país podemos
citar o interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e
muitos outros lugares. Encontramos a Festa do Divino
Espírito Santo dos índios Karipuna no interior do
Amapá, praticamente na divisa com a Guiana Francesa.
A Festa dos Karipunas, com nove dias de duração,
preserva vários símbolos da festa do Divino Espírito
Santo, como a bandeira, coroa, novena em latim,
foliões e recolha das esmolas.
Para nos referirmos a este culto no estado de Santa
Catarina, teríamos que voltar ao século XVIII, pois
foi com a chegada dos primeiros açorianos ao Brasil
Meridional (1748/1756) que esta tradição começou a
ser praticada aqui. É claro que durante este tempo
todo sofreu influências de várias outras etnias que
aqui se estabeleceram, incorporando novos elementos.
Mas podemos constatar que, apesar de tudo isto,
permanece praticamente inalterada, preservando os
símbolos, elementos e conceitos do culto ao Divino
Espírito Santo desde quando foi instituída no século
XIII. Poderíamos citar o Padre Júlio da Rosa, um dos
maiores especialistas em festas do Divino no
arquipélago açoriano, que ao assistir a Festa do
Divino Espírito Santo, na freguesia de Nossa Senhora
da Lapa do Ribeirão da Ilha em Florianópolis afirmou
"Isto é muito nosso, esta cantoria, este ritmo só
falta os bodos para ser uma festa nos Açores". Com
esta afirmação vamos tentar fazer um paralelo entre
alguns elementos destas festas aqui em Santa
Catarina e nos Açores.
Poderíamos começar por falar nos "bodos". As Festas
ao Divino Espírito Santo têm sua essência na
fraternidade e igualdade entre todos. E os "bodos"
reproduzem exatamente isto. O "bodo" é a
distribuição de comida. Nas festas do Divino no
arquipélago açoriano são distribuídos pão, carne e
vinho para pessoas carentes. E todos os que forem
participar da festa poderão comer a sopa do Divino
Espírito Santo, a alcatra, o pão e beber o vinho,
desta forma, nestes dias, todos comerão a mesma
comida e estarão irmanados no espírito da
fraternidade e igualdade. Hoje nos Açores ainda se
cultiva esta tradição, enquanto aqui em nosso estado
se perdeu totalmente. Podemos ressaltar o empenho do
Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC, que em parceria
com os festeiros da Paróquia Bom Jesus de Nazaré, no
município de Palhoça, este ano fez um trabalho com o
propósito de resgatar esta tradição. Esperamos que
nos próximos anos isto se concretize.
Poderíamos dizer que estes "bodos" se perderam ao
longo do tempo. O passo inicial nesta direção foi
dado quando o Estado, depois da proclamação da
Republica, deixou de manter a Igreja. A partir disto
as festas religiosas teriam que dar lucros para
manterem a estrutura das paróquias. Hoje a festa
religiosa que traz mais recursos para as paróquias é
a festa do Divino Espírito Santo, justamente à qual
as comunidades têm maior devoção e louvor.
Encontramos paróquias que se mantém o ano todo só
com os recursos arrecadados numa única festa, a do
Divino Espírito Santo.
As irmandades do Divino Espírito Santo, responsáveis
há mais de cinco séculos pela organização das festas
do Divino nos Açores, têm um poder muito grande e
são muito respeitadas pela Igreja. As festas em
louvor ao Espírito Santo permanecem praticamente
inalteradas neste longo período, justamente pela
resistência destas confrarias. Não foram poucas as
vezes que se impuseram ao poder da Igreja para
cultuar a sua devoção ao Espírito Santo. Nos Açores
as irmandades do Divino Espirito Santo são as únicas
responsáveis por fazer acontecer as Festas do Divino
Espírito Santo. Em Portugal continental, com raras
exceções, as festas do Divino Espírito Santo
desapareceram justamente por interferências da
Igreja. Bem ao contrário disto ocorreu nos Açores,
onde as Irmandades do Divino Espírito Santo
preservaram o Culto ao Espírito Santo, muitas vezes
à margem da Igreja.
Aqui em nosso Estado as Irmandades do Divino
Espírito Santo não têm esta expressão e força na
organização das Festas. Poderíamos citar apenas três
Irmandades em Santa Catarina que ainda resistem ao
tempo e hoje, em conjunto com a Igreja, organizam as
Festas: Irmandade do Divino Espírito Santo, fundada
em 1773 e até hoje responsável pela organização da
festa da capela do Divino Espirito Santo de
Florianópolis; a Irmandade do Divino Espírito Santo
de Santo Antônio de Lisboa, que tem como data de sua
fundação o ano de 1927 (após a fusão de outras três
irmandades). Atualmente é responsável por fazer
acontecer a festa em louvor ao Divino da paróquia de
Nossa Senhora das Necessidades de Santo Antônio de
Lisboa; a terceira é a Irmandade do Divino Espírito
Santo da Paróquia de Nossa Senhora da Lapa do
Ribeirão da Ilha, que não tem uma data precisa de
fundação, mas desde 1860 encontramos registros de
seu funcionamento e organização das festas.
Tanto aqui como no arquipélago dos Açores até a bem
pouco tempo as mulheres não podiam participar das
irmandades. Hoje já foram reavaliadas estas
proibições e tanto aqui como lá já se permite a
participação de mulheres.
As outras várias dezenas de festas em louvor ao
Divino Espírito SantoI. Nestes casos a comunidade,
em conjunto com a Igreja, organiza e faz a festa
acontecer.
Nas festas do Divino Espírito Santo sempre caminham
juntos o sagrado e o profano. Os devotos do Divino
pagam suas promessas, fazem oferendas, rezam e
mostram a sua devoção à terceira pessoa da
Santíssima Trindade, mas também nunca esquecem de se
divertir muito nas festas, onde sempre há danças,
folguedos e muitas atrações. Nas festas do Divino
Espírito Santo em Santa Catarina as
"Folias do Divino" ou
"Cantorias do Divino" comandam o peditório,
conduzem o cortejo, entram na igreja tocando e
cantando, inclusive dão autorização para o senhor
padre começar a santa missa e fazem também a
coroação. Para nós as folias do divino são peças
fundamentais nas festas. Já nos Açores as folias não
tem autorização para entrarem na igreja. Acompanham
o cortejo só até a porta da igreja e ali mesmo
esperam a sua saída.
O cantador da folia do divino no comando do Culto ao
Divino nos remete ao Abade
Joaquim de Fiore, criador da doutrina
sobre o Espírito Santo que
diz: "Na terceira era. Era plena do Espírito Santo,
será a era dos monges e não mais dos sacerdotes".
Em Portugal continental, no
século XVII, a Igreja preocupada com isto divulga a
primeira proibição aos foliões nos cultos do Divino.
Muitas outras proibições surgiram, o que levou
praticamente a extinção do Culto do Divino Espírito
Santo na parte continental de Portugal.
Um outro ponto com o qual poderíamos traçar um
paralelo entre as festas nos Açores e as que
acontecem no Brasil, é a inclusão, ao longo dos
tempos, de algumas imagens de santos no cortejo das
festas do Divino Espírito Santo. Aqui na localidade
de Santo Antônio de Lisboa é comum a padroeira da
paróquia Nossa Senhora das Necessidades acompanhar
os cortejos e às vezes até ser coroada. Nos Açores,
outras imagens acompanham o cortejo das festas
também, e é comum encontramos em outras festas
religiosas os símbolos do Divino Espírito Santo
(coroa, bandeira, etc.) acompanhando o cortejo.
Podemos citar a festa de São Pedro, na freguesia de
Lages do Pico, onde além do santo comemorado
acompanham o cortejo todos os símbolos do Divino. E
ao final do cortejo são oferecidas as massas de
promessas que chamam de rosquilhas.
É
freqüente aqui no nosso Estado as festas em louvor
ao Divino Espírito Santo realizadas fora do seu
calendário original, que é no dia de Pentecostes,
por conveniência das comunidades muito próximas ou
simplesmente para fazer a festa junto com o
padroeiro de sua paróquia. Poderíamos citar como
exemplo, a comunidade de Mirim em Imbituba, um
núcleo primário da colonização açoriana, que realiza
a sua festa no mês de novembro junto com a festa do
seu padroeiro. Principalmente na Ilha Terceira, nos
Açores, onde são realizadas mais de cinqüenta festas
ao Divino Espírito Santo ao longo do ano e sempre em
freguesias diferentes é comum fazer um arranjo nas
datas para cada uma.
A Coroa do Divino Espírito Santo, o símbolo mais
imponente do culto ao Divino, é originalmente
confeccionada em prata e com apenas quatro
imperiais, pois as coroas do império português se
caracterizam por ter apenas quatro imperiais. Mas
tanto aqui como nos Açores encontramos coroas do
Divino Espírito Santo com cinco ou até com seis
imperiais. As únicas duas localidades em Santa
Catarina que ainda preservam as suas coroas
originais com quatro imperiais são: Nossa Senhora da
Lapa do Ribeirão da Ilha e a igreja do Espírito
Santo em Florianópolis. Outra curiosidade sobre as
coroas é que em nossas festas temos apenas uma
coroa, com isso somente uma pessoa pode ser coroada
a cada ano. Nos Açores já encontramos festas com até
nove coroas e conseqüentemente nove pessoas podem
ser coroadas em uma só festa.
Os Impérios do Divino, são os edifícios onde estão
expostos à visitação e veneração a coroa imperial e
outros símbolos do culto ao Divino Espírito Santo.
Em nosso estado se preservam apenas cinco destas
edificações todas na cidade de Florianópolis. A mais
original e autêntica está localizada na freguesia de
Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha. As outras
quatro nas seguintes localidades: Trindade, Lagoa da
Conceição, São João do Rio Vermelho e no Campeche.
Em dezenas de outras localidades do litoral
catarinense também existiam os Impérios do Divino.
Tiveram que pagar o preço alto pelo progresso e
foram destruídos.
Nestes edifícios, o que mais os notabiliza em sua
construção é seu formato cúbico com três portas ou
janelas em cada face. Nos Açores, apenas na Ilha
Terceira, temos mais de meia centena de impérios do
Divino. O mais antigo, construído em alvenaria, é o
Império do Outeiro (Angra do Heroísmo, 1670) e em
cada império deste acontece uma festa em louvor ao
Divino Espírito Santo.
O povo açoriano e seus
descendentes espalhados pelo mundo tem uma profunda
devoção ao ritual do culto ao Divino Espírito Santo.
Mas não é fácil distinguir onde acaba a teologia e
começa a tradição, pois nestas festa ao Divino a
cultura popular atinge o seu expoente máximo, vivida
de tal forma que ultrapassa os conceitos da teoria
dos dogmas.
Em Santa Catarina esta devoção pode ser constatada
em qualquer festa em louvor ao Divino Espírito
Santo. Entre os fiéis há a crença que nos dias de
festa quem tocar a bandeira ou beijar a pomba do
divino receberá uma graça do Espírito Santo.
Nestes dias os devotos do divino fazem questão de
levar as massas de promessas para casa, muitos
cortam pedaços das fitas da bandeira como simpatia
para aliviá-los que qualquer mal futuro. Nos Açores
esta devoção na terceira pessoa da Santíssima
Trindade também é extremamente forte. Para reafirmar
isto usamos as palavras do senhor Presidente da
Região Autônoma dos Açores na conferência de
abertura do Congresso Internacional das Festas do
Divino Espírito Santo: "Narrar a historia do Culto
ao Divino Espírito Santo nos Açores, é narrar a
história de um povo nas relações com Deus, com a
terra e com ele próprio nas ilhas é o Espírito Santo
que marca o antes, o durante e o depois de cada
ciclo das atividades populares e é a invocação do
Senhor Espírito Santo que mais espontaneamente acode
à boca do nosso povo nos momentos de maior aflição".
Com este breve texto procuramos estabelecer alguns
paralelos entre o Culto ao Divino Espírito Santo
aqui e nos Açores e mostramos que a religiosidade é
uma marca expressiva da cultura lusitana a qual o
povo brasileiro absorveu totalmente. |