Itanhaem_SP_2007

 

  

A Festa do Divino, em Itanhaém - SP, é uma festividade folclórico-religiosa. Tem início no domingo da Ascensão com o "Levantamento do Mastro" e termina com a Festa no dia de Pentecostes, com a caracterização de uma Sala do Trono, onde o Imperador, a Imperatriz e o Capitão do Mastro são os personagens centrais da festa. É promovido durante as noites e madrugadas dos sábados a tradicional "Noite da Soca", onde a população em mutirão soca o arroz para o preparo do cuscuz a ser servido na alvorada.

 

A Festa do Divino, como é popularmente conhecida em Itanhaém, remonta séculos. Trata-se de um paralelo entre o folclórico e o litúrgico, com um fundamento histórico trazido de Portugal durante e colonização do litoral paulista, por colonos que ocuparam a Vila de Conceição de Itanhaém.

 

A história de Imperatriz Isabel é contada com muita devoção pelos fiéis católicos, o que levou os antepassados da Vila de Conceição de Itanhaém a adotar esse simbolismo nas comemorações do Pentecostes, que dentro da Liturgia da Igreja, já era comemorado desde o tempo do profeta Moisés, quando da época das colheitas. Os apóstolos, após a morte de Jesus, estavam reunidos no um cenáculo e nesse dia o Espírito Santo se manifestou a todos. Portanto, Pentecostes trata-se de uma festa milenar, que se dava no tempo das safras e colheitas, época em que repartiam os frutos colhidos, geralmente grãos (cevada, trigo, arroz, frutas).

 

Em Itanhaém os atos litúrgicos são marcados pela realização de um setenário (sete dias de rezas) em preparação religiosa. Paralelamente, desenvolve-se uma majestosa manifestação folclórica. Sendo uma festa originariamente portuguesa, ganhou nuances caboclas, com a agregação de usos e costumes tipicamente regionais. Às cinco horas da manhã há repique de sinos e espoucar de fogos, ocasião em que as bandeiras do Divino percorrem as ruas centrais da cidade. Após a Alvorada, é servido ao participantes iguarias típicas dos praianos (cuscuz de arroz) cuja confecção. de legado indígena, foi feita na "Noite da Soca". Há cânticos e danças misturadas ao incessante bater dos pilões. Três personagens são encarnados na festa: a Imperatriz, o Imperador e o Capitão de Mastro.

 

 

O sorteio dos festeiros realizava-se na Igreja, após o último ato religioso, aguardado pelo povo com grande ansiedade. O sorteio obedecia a seguinte ordem: Imperador, Imperatriz, Capitão do Mastro, Mordomo das Varas, Mordomo do Quadro. Ao Imperador e à Imperatriz, competia a realização das festividades. Ao Capitão do Mastro, o levantamento do mesmo, no dia da Ascensão do Senhor, uma quinta-feira antes da semana da festa, ficando a seu cargo todas as despesas dessa festividade. Ao Mordomo das Varas, a incumbência de distribuí-las nos dias da festa às pessoas gratas do local ou outros que no local se encontravam a convite dos festeiros. O quadro é formado por varas menores dentro do qual nos dias de festa o representante do Imperador, carregando o cetro e a representante da Imperatriz carregando a coroa de ouro de Nossa Senhora da Conceição, conduzindo essas relíquias da casa do Império à Matriz, onde também é armado pequeno trono, para exposição dos sagrados objetos, durante toda a duração das cerimônias religiosas.

 

 

A festa, que teve início com a Erguida do Mastro, tem sua continuação no sábado ao meio-dia com a Abertura do Império. Após esse ato ao qual o pároco comparece para realizar a bênção dos festeiros, era oferecido a todos os presentes, onde havia o que de mais fino se conhecia em doces e iguarias. À noite saiam as bandeiras da casa do Imperador, em direção à Igreja, acompanhadas pela banda de música local, com grande foguetório, repique de sinos e denso acompanhamento por parte da população. Com músicas apropriadas, tanto as de rua como as sacras, na sua maioria, criação dos músicos locais, a igreja ricamente ornamentada, com os seus paramentos de cores berrantes, portais, altares, púlpitos, era literalmente forrado o piso do templo com grande quantidade de folhas do “peguaçu”, o que dava odor característico, sendo a festa comemorada com grande alegria e respeito religioso.No domingo pela manhã, como até hoje, havia a "Alvorada", depois da qual era servido café acompanhado do célebre cuscuz de arroz. Não havendo naqueles tempos iluminação elétrica, toda a fachada da Matriz, desde a sineira até as janelas do coro, eram iluminadas de "gambiarras", o que trazia aspecto muito original, até bizarro.

 

O pão bento a ser distribuído ao povo era confeccionado pela fina flor itanhaense, em casa escolhida para esse fim. A chegada no sábado de romeiros de Santo Amaro, via fluvial, era acontecimento todo especial, pois à medida que se aproximavam da última volta do rio, após o Sítio Saguava, a sua aproximação era notada pelo espoucar de rojões fortíssimos que soltavam das canoas que traziam de Porto Velho, nas cabeceiras do rio Branco, para onde desciam à-pé, de Santo Amaro. A coroa de prata mista que hoje é apresentada durante os festejos substituiu da pertencente à Nossa Senhora da Conceição. No ano de 1950 deu-se a última aparição da coroa da Padroeira nas procissões do Divino, que ainda hoje permanece em cofre bancário. A Coroa de Prata do Imperador, juntamente com o cetro e a salva, foram ofertados por Octávio Machado, devoto do Divino e amigo da cidade de Itanhaém.

 

 

A Folia do Divino

 

A maior dentre as festas que se realizava na Vila de Conceição era a Festa do Divino. Constituía-se de puro folclore regional, mas profundo espírito religioso. A Folia do Divino era um conjunto de músicos devotos com paramentos próprios que percorria todo o município (tendo idéia de que Itanhaém compreendia os atuais municípios de Itariri, Peruíbe e Mongaguá), de ponta a ponta, por duas vezes, tempos antes do dia da festa. A "Folia" tinha por finalidade tirar esmolas para custear parte da festa e ao mesmo tempo levar as bênçãos do Divino e um pouco de alegria às residências humildes dos caiçaras e também às casas das famílias nobres.

 

Era um grupo de homens afeiçoados às tradições, tendo a dirigi-los um representante do festeiro, e um grupo que era constituído de dois rabequistas, dois violeiros, um tambor e dois meninos para a primeira voz. Partia da Vila de Conceição em direção à atual cidade de Mongaguá, ponto inicial, de preferência num sábado, pois o dono do sítio Mongaguá aproveitava a oportunidade para oferecer concorrido "fandango" (nome que se dava no Litoral ao bate-pé do interior do Estado de São Paulo. O grupo de homens e meninos, munidos de seus instrumentos e da Bandeira do Divino, encaminhavam-se à casa a ser visitada. Chegando, entoavam seus cânticos, pediam permissão ao dono da casa para a introdução da Bandeira do Divino. O proprietário, recebendo-a, passava-a à sua esposa que, entronizando, fosse beijada por todos. A um canto da sala, sobre um móvel qualquer o representante do festeiro colocava "salva de prata" para recebimento das esmolas. Tanto na entrada como por ocasião da partida, eram executadas melodias com cantos apropriados, de letras improvisadas pelos violeiros, com acompanhamento muito harmonioso dos meninos que respondiam em coro.

 

Durante todo o tempo em que a Folia percorria o município, nos locais de "Pouso da Folia" havia bate-pé e o acompanhamento crescia à medida que a mesma ia avançando de local para local. Já nas vésperas das festividades, o povo ia receber a Bandeira do Divino, ao cair da noite, no local denominado "Porto", na foz do Rio Itanhaém. Dali, todos, munidos de velas acesas, conduziam a bandeira em procissão até a casa do festeiro, onde deveria ser armado o "Império do Divino".

 

 

Origens

 

As primeiras festas populares do Espírito Santo foram instituídas pela rainha Santa Isabel e o rei D. Dinis, logo após o casamento. Essa festa teve por berço a então vila de Alenquer, de onde se irradiou por todo o continente português, instalando-se definitivamente e com raízes profundas, no arquipélago dos Açores desde o início de seu povoamento regular. Dessas ilhas teve prioridade na instalação da festa a ilha de Santa Maria, que na primeira metade do século XV já a celebrava com brilho e pompa.

Em 1492 foi erguido o melhor império da ilhas, em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, sob a invocação do Divino Espírito Santo. Aos poucos, os impérios foram se renovando, com arte e luxo, procurando cada ilha tê-lo maior e melhor. Era em frente desses impérios, - capelas dedicadas e consagradas ao Espírito Santo, - que se dava o bodo, isto é, a distribuição de alimentos aos pobres no dia do Divino. Esta parte era a essencial da festa e se realizava após a missa festiva. À tarde havia procissão e, à noite, luminárias.

No século XVI o programa das festas foi ampliado já no primeiro quartel, sendo introduzida cerimônia especial para o peditório, para a guarda da coroa, procissão e outros pormenores exteriores. Foi quando o simples peditório para o bodo passou a denominar-se folia, observando ritual extra, ritual este que também no Brasil, em particular no Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (interior e arredores da capital), bem como no Espírito Santo, foi observado com mais ou menos rigor. Em parte ainda o observam hoje em certos lugares do interior de São Paulo.

Compreendia, a folia, a composição de um terceto, quarteto ou quinteto de músicos, no geral violino (rebeca), viola ou guitarra, pandeiro e ferrinhos, e mais outros tantos não músicos, para auxiliarem a cantoria e receberem óbulos.

Esse grupo, com vestuário característico quase sempre, - chapéu que parecia mitra episcopal, tocando e cantando, percorriam as ruas da localidade pedindo a esmola para a celebração da festividade e distribuição do bodo. O cancioneiro dessas folias era interessante e pitoresco:

Deus vos salve, casa santa,
De Jesus acompanhada,
Onde está o cális bento
Mais a hóstia consagrada. Bendito e louvado seja
O Santíssimo Sacramento,
Pois Ele é pai dos Anjos
E dos Anjos alimento.Divino Espírito Santo
Senhor de ceptro e coroa,
Vós na terra sois Pombinha,
No céu Divina Pessoa.

Devemos, entretanto, notar que as modernas festas do Espírito Santo nada mais têm das que se celebravam nos séculos XVI a XVIII, e nem das do século XIX. A festa tão somente religiosa (coleta, missa, procissão), passou a ter partes profanas a partir do século XVI: bailes públicos, no adro da igreja ou na rua, além de peditórios com cantorias. Proibidos os bailes, tiveram início às representações, ou autos já usados em algumas ilhas que nunca adotaram os bailes. Com novas tentativas de proibição e reformas, as festas se organizavam na praça fronteira ao império, à noite, durante três dias consecutivos, com músicas, cantos, leilões e "outras prendas", que tinham início na véspera do dia do Espírito Santo com a coroação do imperador (ou festeiro), cerimônia que também foi usada.

 

 

(Texto de Nicco Lopes – Itanhaém-SP)