A Festa do Divino, em Itanhaém - SP, é uma festividade
folclórico-religiosa. Tem início no domingo da Ascensão com o
"Levantamento do Mastro" e termina com a Festa no dia de
Pentecostes, com a caracterização de uma Sala do Trono, onde o
Imperador, a Imperatriz e o Capitão do Mastro são os personagens
centrais da festa. É promovido durante as noites e madrugadas
dos sábados a tradicional "Noite da Soca", onde a população em
mutirão soca o arroz para o preparo do cuscuz a ser servido na
alvorada.
A Festa do Divino, como é popularmente conhecida em Itanhaém,
remonta séculos. Trata-se de um paralelo entre o folclórico e o
litúrgico, com um fundamento histórico trazido de Portugal
durante e colonização do litoral paulista, por colonos que
ocuparam a Vila de Conceição de Itanhaém.
A história de Imperatriz Isabel é contada com muita devoção
pelos fiéis católicos, o que levou os antepassados da Vila de
Conceição de Itanhaém a adotar esse simbolismo nas comemorações
do Pentecostes, que dentro da Liturgia da Igreja, já era
comemorado desde o tempo do profeta Moisés, quando da época das
colheitas. Os apóstolos, após a morte de Jesus, estavam reunidos
no um cenáculo e nesse dia o Espírito Santo se manifestou a
todos. Portanto, Pentecostes trata-se de uma festa milenar, que
se dava no tempo das safras e colheitas, época em que repartiam
os frutos colhidos, geralmente grãos (cevada, trigo, arroz,
frutas).
Em Itanhaém os atos litúrgicos são marcados pela realização
de um setenário (sete dias de rezas) em preparação
religiosa. Paralelamente, desenvolve-se uma majestosa
manifestação folclórica. Sendo uma festa originariamente
portuguesa, ganhou nuances caboclas, com a agregação de usos e
costumes tipicamente regionais. Às cinco horas da manhã há
repique de sinos e espoucar de fogos, ocasião em que as
bandeiras do Divino percorrem as ruas centrais da cidade.
Após a Alvorada, é servido ao participantes iguarias
típicas dos praianos (cuscuz de arroz) cuja confecção. de legado
indígena, foi feita na "Noite da Soca". Há cânticos e danças
misturadas ao incessante bater dos pilões. Três personagens são
encarnados na festa: a Imperatriz, o Imperador e o Capitão de
Mastro.
O sorteio dos festeiros realizava-se na Igreja, após o último
ato religioso, aguardado pelo povo com grande ansiedade. O
sorteio obedecia a seguinte ordem: Imperador, Imperatriz,
Capitão do Mastro, Mordomo das Varas, Mordomo do Quadro. Ao
Imperador e à Imperatriz, competia a realização das
festividades. Ao Capitão do Mastro, o levantamento do
mesmo, no dia da Ascensão do Senhor, uma quinta-feira antes da
semana da festa, ficando a seu cargo todas as despesas dessa
festividade. Ao Mordomo das Varas, a incumbência de
distribuí-las nos dias da festa às pessoas gratas do local ou
outros que no local se encontravam a convite dos festeiros. O
quadro é formado por varas menores dentro do qual nos dias
de festa o representante do Imperador, carregando o cetro e a
representante da Imperatriz carregando a coroa de ouro de Nossa
Senhora da Conceição, conduzindo essas relíquias da casa do
Império à Matriz, onde também é armado pequeno trono, para
exposição dos sagrados objetos, durante toda a duração das
cerimônias religiosas.
A festa, que teve início com a Erguida do Mastro, tem
sua continuação no sábado ao meio-dia com a Abertura do
Império. Após esse ato ao qual o pároco comparece para
realizar a bênção dos festeiros, era oferecido a todos os
presentes, onde havia o que de mais fino se conhecia em doces e
iguarias. À noite saiam as bandeiras da casa do
Imperador, em direção à Igreja, acompanhadas pela banda de
música local, com grande foguetório, repique de sinos e denso
acompanhamento por parte da população. Com músicas apropriadas,
tanto as de rua como as sacras, na sua maioria, criação dos
músicos locais, a igreja ricamente ornamentada, com os seus
paramentos de cores berrantes, portais, altares, púlpitos, era
literalmente forrado o piso do templo com grande quantidade de
folhas do “peguaçu”, o que dava odor característico, sendo a
festa comemorada com grande alegria e respeito religioso.No
domingo pela manhã, como até hoje, havia a "Alvorada",
depois da qual era servido café acompanhado do célebre cuscuz de
arroz. Não havendo naqueles tempos iluminação elétrica, toda a
fachada da Matriz, desde a sineira até as janelas do coro, eram
iluminadas de "gambiarras", o que trazia aspecto muito original,
até bizarro.
O pão bento a ser distribuído ao povo era
confeccionado pela fina flor itanhaense, em casa escolhida para
esse fim. A chegada no sábado de romeiros de Santo Amaro, via
fluvial, era acontecimento todo especial, pois à medida que se
aproximavam da última volta do rio, após o Sítio Saguava, a sua
aproximação era notada pelo espoucar de rojões fortíssimos que
soltavam das canoas que traziam de Porto Velho, nas cabeceiras
do rio Branco, para onde desciam à-pé, de Santo Amaro. A coroa
de prata mista que hoje é apresentada durante os festejos
substituiu da pertencente à Nossa Senhora da Conceição. No ano
de 1950 deu-se a última aparição da coroa da Padroeira nas
procissões do Divino, que ainda hoje permanece em cofre
bancário. A Coroa de Prata do Imperador, juntamente com o cetro
e a salva, foram ofertados por Octávio Machado, devoto do Divino
e amigo da cidade de Itanhaém.
A Folia do
Divino
A maior dentre as festas que se realizava na Vila de
Conceição era a Festa do Divino. Constituía-se de puro folclore
regional, mas profundo espírito religioso. A Folia do Divino era
um conjunto de músicos devotos com paramentos próprios que
percorria todo o município (tendo idéia de que Itanhaém
compreendia os atuais municípios de Itariri, Peruíbe e
Mongaguá), de ponta a ponta, por duas vezes, tempos antes do dia
da festa. A "Folia" tinha por finalidade tirar esmolas para
custear parte da festa e ao mesmo tempo levar as bênçãos do
Divino e um pouco de alegria às residências humildes dos
caiçaras e também às casas das famílias nobres.
Era um grupo de homens afeiçoados às tradições, tendo a
dirigi-los um representante do festeiro, e um grupo que era
constituído de dois rabequistas, dois violeiros, um tambor e
dois meninos para a primeira voz. Partia da Vila de Conceição em
direção à atual cidade de Mongaguá, ponto inicial, de
preferência num sábado, pois o dono do sítio Mongaguá
aproveitava a oportunidade para oferecer concorrido "fandango"
(nome que se dava no Litoral ao bate-pé do interior do Estado de
São Paulo. O grupo de homens e meninos, munidos de seus
instrumentos e da Bandeira do Divino, encaminhavam-se à casa a
ser visitada. Chegando, entoavam seus cânticos, pediam permissão
ao dono da casa para a introdução da Bandeira do Divino. O
proprietário, recebendo-a, passava-a à sua esposa que,
entronizando, fosse beijada por todos. A um canto da sala, sobre
um móvel qualquer o representante do festeiro colocava "salva de
prata" para recebimento das esmolas. Tanto na entrada como por
ocasião da partida, eram executadas melodias com cantos
apropriados, de letras improvisadas pelos violeiros, com
acompanhamento muito harmonioso dos meninos que respondiam em
coro.
Durante todo o tempo em que a Folia percorria o município,
nos locais de "Pouso da Folia" havia bate-pé e o acompanhamento
crescia à medida que a mesma ia avançando de local para local.
Já nas vésperas das festividades, o povo ia receber a Bandeira
do Divino, ao cair da noite, no local denominado "Porto", na foz
do Rio Itanhaém. Dali, todos, munidos de velas acesas, conduziam
a bandeira em procissão até a casa do festeiro, onde deveria ser
armado o "Império do Divino".
Origens
As primeiras
festas populares do Espírito Santo foram instituídas pela rainha
Santa Isabel e o rei D. Dinis, logo após o casamento. Essa festa
teve por berço a então vila de Alenquer, de onde se irradiou por
todo o continente português, instalando-se definitivamente e com
raízes profundas, no arquipélago dos Açores desde o início de
seu povoamento regular. Dessas ilhas teve prioridade na
instalação da festa a ilha de Santa Maria, que na primeira
metade do século XV já a celebrava com brilho e pompa.
Em 1492 foi erguido o melhor império da ilhas, em Angra
do Heroísmo, ilha Terceira, sob a invocação do Divino Espírito
Santo. Aos poucos, os impérios foram se renovando, com
arte e luxo, procurando cada ilha tê-lo maior e melhor. Era em
frente desses impérios, - capelas dedicadas e consagradas
ao Espírito Santo, - que se dava o bodo, isto é, a
distribuição de alimentos aos pobres no dia do Divino. Esta
parte era a essencial da festa e se realizava após a missa
festiva. À tarde havia procissão e, à noite, luminárias.
No século XVI o programa das festas foi ampliado já no primeiro
quartel, sendo introduzida cerimônia especial para o peditório,
para a guarda da coroa, procissão e outros pormenores
exteriores. Foi quando o simples peditório para o bodo
passou a denominar-se folia, observando ritual extra,
ritual este que também no Brasil, em particular no Rio de
Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (interior
e arredores da capital), bem como no Espírito Santo, foi
observado com mais ou menos rigor. Em parte ainda o observam
hoje em certos lugares do interior de São Paulo.
Compreendia, a
folia, a composição de um terceto, quarteto ou quinteto
de músicos, no geral violino (rebeca), viola ou guitarra,
pandeiro e ferrinhos, e mais outros tantos não músicos, para
auxiliarem a cantoria e receberem óbulos.
Esse grupo, com
vestuário característico quase sempre, - chapéu que parecia
mitra episcopal, tocando e cantando, percorriam as ruas da
localidade pedindo a esmola para a celebração da festividade e
distribuição do bodo. O cancioneiro dessas folias
era interessante e pitoresco:
Deus vos
salve, casa santa,
De Jesus acompanhada,
Onde está o cális bento
Mais a hóstia consagrada. Bendito e louvado seja
O Santíssimo Sacramento,
Pois Ele é pai dos Anjos
E dos Anjos alimento.Divino Espírito Santo
Senhor de ceptro e coroa,
Vós na terra sois Pombinha,
No céu Divina Pessoa.
Devemos,
entretanto, notar que as modernas festas do Espírito Santo nada
mais têm das que se celebravam nos séculos XVI a XVIII, e nem
das do século XIX. A festa tão somente religiosa (coleta, missa,
procissão), passou a ter partes profanas a partir do século XVI:
bailes públicos, no adro da igreja ou na rua, além de peditórios
com cantorias. Proibidos os bailes, tiveram início às
representações, ou autos já usados em algumas ilhas que nunca
adotaram os bailes. Com novas tentativas de proibição e
reformas, as festas se organizavam na praça fronteira ao
império, à noite, durante três dias consecutivos, com
músicas, cantos, leilões e "outras prendas", que tinham início
na véspera do dia do Espírito Santo com a coroação do imperador
(ou festeiro), cerimônia que também foi usada.
(Texto de Nicco
Lopes – Itanhaém-SP)