A Folia e Festa do Divino em Goiás  GO  2007

 

 
I- Breve Histórico:
 
        A Festa do Divino Espírito Santo, comemorada 50 dias após a
Páscoa, representa a descida do Espírito Santo em forma de
línguas de fogo sobre os apóstolos que estavam reunidos no
cenáculo.
 
        Segundo consta, o culto ao Divino foi introduzido em
Portugal pela rainha Santa Isabel (1.271-1.336), no século
XIII, quando este país encontrava-se em guerra com a
Espanha. Para que houvesse paz, a rainha Isabel fez uma
promessa de alimentar os pobres, vestir os nus, bem assim
oferecer sua coroa ao Divino Espírito Santo. Uma vez que a
graça foi alcançada, a rainha cumpriu a sua promessa, doando
sua coroa à igreja, alimentou e vestiu os mais necessitados.
A partir de então todos os anos, no dia de Pentecostes, este
gesto é repetido e a tradição se espalhou.
 
        No Brasil a devoção ao Divino Espírito Santo começou a ser
difundida no século XVI e em menos de 200 anos já era
praticada em vários Estados.
 
        Na cidade de Goiás há registro que o culto ao Divino
começou em 1.834, quando o Imperador do Brasil ofertou à
província de Goiás as insígnias, a fim de que seu Presidente
(antiga denominação de Governador do Estado) José Rodrigues
Jardim, juntamente com a igreja introduzisse a devoção e
organizasse a festa nos moldes da Corte.
 
        Contudo, somente em 1.871, o vigário geral Cônego José Iria
Xavier Serradourada reuniu um grupo de senhores e organizou
o sorteio dos cargos que oficialmente são responsáveis pela
consecução da festa, quais sejam, Imperador, Alferes da
Bandeira, Capitães de Mastro e Mordomos da Fogueira. Os
nomes são colocados em um cálice de prata e os cargos em outro.
 
 
II- As Insígnias:
 
        As insígnias são peças de prata em cujo ápice encontra-se a
pomba representando o Divino Espírito Santo, são elas coroa,
cetro e salva.
 
        A coroa é o símbolo maior da realeza, utilizada pelo
Imperador durante a festa.
 
        O cetro representa o poder de mando e decisão, também
carregado pelo Imperador.
 
        A salva é uma bandeja de prata, onde são depositados os
donativos, razão pela qual representa a fartura,
prosperidade e a repartição. Sobre ela são colocados a coroa
e o cetro que durante a festa o Imperador carrega com as mãos.
 
        A bandeira é feita em tecido vermelho, geralmente veludo
alemão, onde é pintada ou bordada a figura da pomba,
colocada em varão com ponteira (ponta de lança) metalizada e
é usada na Folia, acompanhando a coroa e o cetro.
 
        Outro tipo de bandeira é armada em um quadro que sustenta o
tecido onde é pintada ou aplicada a figura da pomba. É
colocada no topo do mastro no sábado que antecede a festa e
somente é retirada na festa de "Corpus Christi" para girar
entre os Capitães do Mastro.
 
        O Trono é armado na igreja para que as insígnias sejam nele
guardadas durante a missa. A ornamentação fica a critério do
festeiro.
 
        O trono da casa do imperador é uma espécie de altar, armado
em local de destaque, ao qual se procura dar o aspecto de
fausto e suntuosidade, onde repousa a coroa e o cetro,
ladeados pelas bandeiras.
 
III- Os Cargos:
 
        O Imperador é a figura mais importante da festa, a quem
compete a guarda das insígnias, organiza e arca com as
despesas a ela pertinentes. Desde a posse a sua casa
torna-se a sede do império.
 
        O Alferes da Bandeira é o elemento responsável pela guarda
da bandeira do mastro, pela elaboração do roteiro da visita
da bandeira na casa dos capitães, é encarregado da
ornamentação da bandeira, do andor e da procissão que se
realiza no sábado que antecede o domingo de Pentecostes.
 
        Aos Capitães de Mastro, em número de seis (06), compete o
preparo do mastro, o foguetório da hora do levantamento.
 
        Os Mordomos da Fogueira, que na atualidade não mais
existem, era responsáveis pelas três fogueiras montadas na
praça da matriz.
 
        Os Novenários, cargos introduzidos na festa na década de
50, são responsáveis pela novena, cada qual no dia em que
foram sorteados. Ajudam o Imperador na organização do trono,
na ornamentação da igreja e na compra de foguetes. A praxe é
que o Novenário queime foguetes, no seu dia, às 6:00, 12:00
e 18:00 horas, no que é seguido pelo Alferes da Bandeira e
Imperador.
 
        Os Paraninfos são instituições convidadas especialmente
para participar das missas e da novena, tais como colégios,
entidades de classe, associações, irmandades, corporações
militares, instituições bancárias etc. Não possuem
responsabilidade específica, a não ser a presença na novena
no dia para qual foram designados.
 
IV- Os Hinos:
 
IV - A) A Nós Descei (Entoado durante a Folia)
 
A nós descei, divina luz (2x)
em nossas almas acendei, o amor o amor de Jesus (2x)
 
Vinde Santo Espírito, que do céu mandai
a divina luz (2x)
 
Vinde Pai dos pobres, doador dos dons
luz dos corações (2x).
 
 
 
IV - B) Ó Vinde (Entoado durante a Folia)
 
Ó vinde em nós Espírito Santo
do céu vossa luz nos mandai
Ó vinde inspirar nosso canto
A nossa frágil e confiança animai
 
Abrasai em divinas chamas (2x)
Inflamai em celeste ardor
Os nossos corações almas
No mais ardente e no mais puro amor (2x)
 
Ó vinde ó rico pai dos pobres
e dos fracos reparador
São débeis sem Vós os mais fortes
De todos sois amparo, Pai e protetor.
Abrasai em divinas chamas (2x)
Inflamai em celeste ardor
Os nossos corações almas
No mais ardente e no mais puro amor (2x)
 
IV - C) Hino de Folia
 
O Divino pede esmola, dada de boa vontade
lá no céu terás o prêmio, da Santíssima Trindade.
 
IV - D) Hino do Divino Espírito Santo
 
Música de Cônego Pio Joaquim Marques
Letra de Cônego José Iria Xavier Serradourada
 
1ª Parte
É chegado, o Pentecostes
o templo ostenta alegria (2X)
Canta, canta, o povo hinos devotos
Neste majestoso dia (2X)
 
Sobe aos céus o nosso incenso
Hinos ressoam ao deus imenso (2x)
 
2ª Parte
 
Vinde Espírito Divino
os corações acendei (2x)
com todos os que vos louvam
Os vossos dons despendei (2x)
 
Línguas de fogo o céu derrama
Nos corações acende a chama (2x)
 
IV - E) Capitão do Mastro
 
Capitão do Mastro cadê você
Tá debaixo da cama foi se ‘escondê’
Um gole de pinga outro de ‘licô’
Capitão do Mastro cadê o ‘sinhô’.
 
V- A Folia do Divino
 
        A Folia do Divino é formada por devotos, que carregam as
insígnias e as salvas, trajando opas nas cores branca ou
vermelha. Durante três dias (domingo de Páscoa, segunda e
terça-feira) os foliões percorrem trajeto, previamente
demarcado, indo de casa em casa, rezando e angariando
donativos para a festa do Divino. No domingo subseqüente, a
Folia gira nos povoados de Areias, Bacalhau e alguns bairros
localizados entrada da cidade, como Jardim Vila Boa, Vila
União, Vila Cristina, Vila Papiros e Conjunto Tempo Novo. No
segundo fim de semana após a Páscoa, os foliões viajam para
Goiânia e visitam os Vilaboenses ali residentes. Cabe
destacar que em todas as oportunidades a Folia é seguida
pela Banda do VI Batalhão da Polícia Militar que entoa os
hinos e marchas alegres, que coadunam com o espírito da festa.
 
        É muito comum a queima de fogos durante o giro, que além de
sinalizar a proximidade dos foliões; em locais mais
distantes serve para identificar onde um ou outro grupo se
encontra.
 
        Com o crescimento da cidade de Goiás, novas insígnias foram
introduzidas no roteiro, com o objetivo de viabilizar a
realização do giro nos três dias. Cabe registrar que a
inserção de outros grupos, portando a réplica da Coroa,
Cetro e Bandeira do Imperador se faz conforme a necessidade
da época.
 
        Dentre cada grupo, uma pessoa fica encarregada de fazer a
inscrição de nome dos devotos que desejam se submeter ao
sorteio para o próximo festejo, e outra se incumbe de fazer
o rol das pessoas que receberão a cesta básica por ocasião
da festa.
 
VI- A Festa do Divino
 
        A festa do Divino é precedida pela pré-novena e novena do
Espírito Santo.
 
        A pré-novena foi instituída em 1.994 e seu objetivo é
preparar toda a comunidade, principalmente os bairros mais
afastados do centro histórico para a Novena. Cada animador
dos bairros visita os moradores e registra o nome de quem
gostaria de participar do sorteio da pré novena. Para cada
grupo da pré-novena é entregue uma insígnia, e de uma casa
para outra segue em procissão. No último dia, na entrega da
pré-novena, cada grupo sai do seu bairro em procissão,
encontra com outros grupos, formando uma multidão de devotos
em oração, cada um levando uma oferenda para repartir com os
irmãos (arroz, feijão, óleo etc.), toda doação é destinada
para cesta
 
        Durante a novena acontece a missa, todos os dias, na
Catedral de Santana, sempre as 19:00 horas. No início da
missa ocorre a entrada solene do Imperador carregando a
coroa, uma pessoa de sua família o cetro, o Alferes da
Bandeira traz a bandeira e o novenário do dia porta outra
bandeira. Após, existe o costume do novenário do dia
oferecer lembranças, doces, licores etc.
 
        É tradição, também, durante a novena, a queima de fogos, às
6:00, 12:00 e 18:00 horas, que fica a cargo do novenário do
dia, Alferes da Bandeira e Imperador.
 
        Um dos dias da novena, o Imperador reserva para realizar a
entrega das cestas básicas para aquelas pessoas menos
favorecidas e que foram previamente cadastradas. Cabe
ressaltar que o objetivo da folia do Divino, além de
propagar a devoção, é de reunir recursos para, em mesa
única, servir alimentos à população, independentemente de
classe sócio-econômica-cultural e religiosa. O costume de
entrega de cestas, foi introduzido em 1.984 visando ampliar
o caráter social da festa.
 
        Na sexta-feira que antecede a festa de Pentecostes, às
23:00 horas, acontece a Serenata do Divino. Os devotos se
reúnem na casa do Imperador, onde é servido um coquetel,
(mesa única) a toda população presente, após ser entoado o
Hino do Divino Espírito Santo. Dali seguem em roteiro pré
estabelecido, visitam as casas do Alferes da Bandeira, dos
seis Capitães do Mastro e as igrejas do Carmo, d’Abadia, do
Rosário, de São Francisco e Catedral, oportunidade em que
canta-se o Hino do Divino, sempre acompanhado da Banda do VI
Batalhão da Polícia Militar.
 
        No sábado, após a novena e missa, parte da casa do Alferes
da Bandeira a procissão do Mastro, que é erguido na porta da
Catedral de Santana, ao som de alegres marchas tocadas pela
banda e ante expectativa dos inúmeros devotos presentes.
 
        Segundo consta, para o lado que aponta a bandeira é de onde
sairá o futuro Imperador.
 
        Enquanto a banda toca, entram em cena os Socadores de Pé de
Mastro, pessoas do povo que se revezam no ofício de socar
com pedaços de madeira o mastro, para dar-lhe firmeza no
solo. Via de regra são servidos licores, enquanto os
Socadores entoam a cantiga Capitão do Mastro.
 
        Na seqüência ocorre a apresentação dos grupos folclóricos
dos Congo e Tapuio, na porta da igreja depois na casa do
Imperador.
        O Congo: é um folguedo folclórico, onde os componentes
vestem-se com esplendor. A dança não representa luta, mas a
desconfiança da chegada de grupo estranho. No final
verifica-se tratar de um mensageiro portando uma carta
endereçada ao rei dos Congos. No final acontece a
confraternização.
 
        A dança dos Tapuios é coreográfica, simula uma luta depois
a reconciliação. Os componentes usam vestes indígenas.
Durante a dança, os índios cantam a música tradicional.
 
        Existe, também, a brincadeira do Pau de Sebo, que é um
varão, sem casca, untado com sebo, e em cujo ápice são
colocados prêmios, como balinhas, bombons, prendas diversas
e até mesmo dinheiro como chamariz, para quem se aventure a
ir lá buscá-los.
 
        No domingo a Banda do VI Batalhão de Polícia militar
desperta a Cidade de Goiás com a alvorada, percorrendo
várias ruas, depois dirige-se para a casa do Imperador, onde
é servido um café da manhã, por volta das 6:00 horas.
 
        Antes das 9:00 horas, sai a procissão da casa do Imperador,
que leva consigo coroa, cetro e bandeira, para a missa
solene, oportunidade em que são entoados belos hinos. Após a
missa dá-se início ao sorteio dos novos festeiros.
 
        Uma comissão designada pelo Imperador digita todos os nomes
de devotos inscritos durante a novena, em papéis do mesmo
tamanho, dobra-os da mesma forma e os deposita em um
envelope que é lacrado e aberto tão somente na hora do
sorteio. Da mesma forma, em outro envelope, são depositados
os papéis com os cargos e papéis em branco, quantos forem
necessários para atingir a quantidade de devotos inscritos.
 
        Na hora do sorteio, os nomes são colocados em um cálice de
prata e os cargos em outro. A comissão escolhe duas criança
para, de um a um, retirar os papéis dos nomes e cargos. A
escolha do Imperador é atribuída ao próprio Divino Espírito
Santo.
 
        Após a missa, o Imperador distribui lembranças, terços,
estampas, medalhas etc e Verônica. Depois segue para sua
casa, com as insígnias, acompanhado do novo imperador.
 
        A Verônica é um doce em formato de medalhão, que tem no
centro e destacado em alto relevo o símbolo do Divino.
 
        Após a missa das 19:00 horas acontece a procissão Luminosa
do Divino. No trajeto do séquito, as pessoas enfeitam as
portas da casa, com flores, tecidos etc. No final da
procissão, na Catedral de Santana há bênção dos fiéis.
 
        Na festa de "Corpus Christi", depois da procissão, ocorre a
posse dos novos festeiro e repassadas as insígnias,
oportunidade em que a bandeira do mastro é retirada da porta
da igreja e entregue ao Primeiro Capitão do Mastro.
 
VI- Dados
        Os dados foram colacionados do Livro "A Música em Goiás" de
Belkiss Spenciére Carneiro de Mendonça, pelo costume, e por
meio de oitiva de pessoas como Maria do Rosário Veiga, Elder
Camargo de Passos, Jaime do Nascimento Costa, Silvia Curado,
Maria Antonieta Ramos Jubé, Roberto da Rocha Rezende,
Guilherme Antônio Veiga, Salma Saddi e José Geraldo Andrade
Neto (in memoriam), por Maria Cármen Ramos Jubé.