Folia e Festa do Divino Espírito Santo na Cidade de Goiás

por Maria Cármen Ramos Jubé.

Na cidade de Goiás há registro que o culto ao Divino começou em 1.834, quando o Imperador do Brasil ofertou à província de Goiás as insígnias, a fim de que seu Presidente (antiga denominação de Governador do Estado) José Rodrigues Jardim, juntamente com a igreja introduzisse a devoção e organizasse a festa nos moldes da Corte.

 Contudo, somente em 1.871, o vigário geral Cônego José Iria Xavier Serradourada reuniu um grupo de senhores e organizou o sorteio dos cargos que oficialmente são responsáveis pela consecução da festa, quais sejam, Imperador, Alferes da Bandeira, Capitães de Mastro e Mordomos da Fogueira. Os nomes são colocados em um cálice de prata e os cargos em outro. A Folia do Divino é formada por devotos, que carregam as insígnias e as salvas, trajando opas nas cores branca ou vermelha. Durante três dias (domingo de Páscoa, segunda e terça-feira) os foliões percorrem trajeto, previamente demarcado, indo de casa em casa, rezando e angariando donativos para a festa do Divino. No domingo subseqüente, a Folia gira nos povoados de Areias, Bacalhau e alguns bairros localizados entrada da cidade, como Jardim Vila Boa, Vila União, Vila Cristina, Vila Papiros e Conjunto Tempo Novo. No segundo fim de semana após a Páscoa, os foliões viajam para Goiânia e visitam os Vilaboenses ali residentes. Cabe destacar que em todas as oportunidades a Folia é seguida pela Banda do VI Batalhão da Polícia Militar que entoa os hinos e marchas alegres, que coadunam com o espírito da festa.

 É muito comum a queima de fogos durante o giro, que além de sinalizar a proximidade dos foliões; em locais mais distantes serve para identificar onde um ou outro grupo se encontra.

 Com o crescimento da cidade de Goiás, novas insígnias foram introduzidas no roteiro, com o objetivo de viabilizar a realização do giro  nos três dias. Cabe registrar que a inserção de outros grupos, portando a réplica da Coroa, Cetro e Bandeira do Imperador se faz conforme a necessidade da época.

 Dentre cada grupo, uma pessoa fica encarregada de fazer a inscrição de nome dos devotos que desejam se submeter ao sorteio para o próximo festejo, e outra se incumbe de fazer o rol das pessoas que receberão a cesta básica por ocasião da festa.

           A festa do Divino é precedida pela pré-novena e novena do Espírito Santo.

          A pré-novena foi instituída em 1.994 e seu objetivo é preparar toda a comunidade, principalmente os bairros mais afastados do centro histórico para a Novena. Cada animador dos bairros visita os moradores e registra o nome de quem gostaria de participar do sorteio da pré novena. Para cada grupo da pré-novena é entregue uma insígnia, e de uma casa para outra segue em procissão. No último dia, na entrega da pré-novena, cada grupo sai do seu bairro em procissão, encontra com outros grupos, formando uma multidão de devotos em oração, cada um levando uma oferenda para repartir com os irmãos (arroz, feijão, óleo etc.), toda doação é destinada para cesta.

 Durante a novena acontece a missa, todos os dias, na Catedral de Santana, sempre as 19:00 horas. No início da missa ocorre a entrada solene do Imperador carregando a coroa, uma pessoa de sua família o cetro, o Alferes da Bandeira traz a bandeira e o novenário do dia porta outra bandeira. Após, existe o costume do novenário do dia oferecer lembranças, doces, licores etc.

É tradição, também, durante a novena, a queima de fogos, às 6:00, 12:00 e 18:00 horas, que fica a cargo do novenário do dia, Alferes da Bandeira e Imperador.

Um dos dias da novena, o Imperador reserva para realizar a entrega das cestas básicas para aquelas pessoas menos favorecidas e que foram previamente cadastradas. Cabe ressaltar que o objetivo da folia do Divino, além de propagar a devoção, é de reunir recursos para, em mesa única, servir alimentos à população, independentemente de classe sócio-econômica-cultural e religiosa. O costume de entrega de  cestas, foi introduzido em 1.984 visando ampliar o caráter social da festa.

 Na sexta-feira que antecede a festa de Pentecostes, às 23:00 horas, acontece a Serenata do Divino. Os devotos se reúnem na casa do Imperador, onde é servido um coquetel, (mesa única) a toda população presente, após ser entoado o Hino do Divino Espírito Santo. Dali seguem em roteiro pré-estabelecido, visitam as casas do Alferes da Bandeira, dos seis Capitães do Mastro e as igrejas do Carmo, d'Abadia, do Rosário, de São Francisco e Catedral, oportunidade em que canta-se o Hino do Divino, sempre acompanhado da Banda do VI Batalhão da Polícia Militar.

 No sábado, às 18:00 horas, cavaleiros provenientes de Faina, Caiçara, Itapuranga e da cidade de Goiás, portando a Bandeira do Divino, encontram o Imperador, que carrega a coroa e o cetro, rezam no trono do Divino e participam da missa.

 Após a novena e missa, parte da casa do Alferes da Bandeira a procissão do Mastro, que é erguido na porta da Catedral de Santana, ao som de alegres marchas tocadas pela banda e ante expectativa dos inúmeros devotos presentes.

 Segundo consta, para o lado que aponta a bandeira é de onde sairá o futuro Imperador.

           Enquanto a banda toca, entram em cena os Socadores de Pé de Mastro, pessoas do povo que se revezam no ofício de socar com pedaços de madeira o mastro, para dar-lhe firmeza no solo. Via de regra são servidos licores, enquanto os Socadores entoam a cantiga Capitão do Mastro.

 Na seqüência ocorre a apresentação dos grupos folclóricos dos Congo e Tapuio, na porta da igreja depois na casa do Imperador. O Congo: é um folguedo folclórico, onde os componentes vestem-se com esplendor. A dança não representa luta, mas a desconfiança da chegada de grupo estranho. No final verifica-se tratar de um mensageiro portando uma carta endereçada ao rei dos Congos. No final acontece a confraternização.

 A dança dos Tapuios é coreográfica, simula uma luta depois a reconciliação. Os componentes usam vestes indígenas. Durante a dança, os índios cantam a música tradicional.

           Existe, também, a brincadeira do Pau de Sebo, que é um varão, sem casca, untado com sebo, e em cujo ápice são colocados prêmios, como balinhas, bombons, prendas diversas e até mesmo dinheiro como chamariz, para quem se aventure a ir lá buscá-los.

 No domingo a Banda do VI Batalhão de Polícia militar desperta a Cidade de Goiás com a alvorada, percorrendo várias ruas, depois dirige-se para a casa do Imperador, onde é servido um café da manhã, por volta das 6:00 horas.

Antes das 9:00 horas, sai a procissão da casa do Imperador, que leva consigo coroa, cetro e bandeira, para a missa solene, oportunidade em  que são entoados belos hinos. Após a missa dá-se início ao sorteio dos novos festeiros.

 Uma comissão designada pelo Imperador digita todos os nomes de devotos inscritos durante a novena, em papéis do mesmo tamanho, dobra-os  da mesma forma e os deposita em um envelope que é lacrado e aberto tão somente na  hora do sorteio.

            Da mesma forma, em outro envelope, são depositados os papéis com os cargos e  papéis em branco, quantos forem necessários para atingir a quantidade de devotos  inscritos. Na hora do sorteio, os nomes são colocados em um cálice de prata e os cargos em outro. A comissão escolhe duas criança para, de um a um, retirar os papéis dos nomes e cargos. A escolha do Imperador é atribuída ao próprio Divino Espírito Santo.

 Após a missa, o Imperador distribui lembranças, terços, estampas, medalhas etc e Verônica. Depois segue para sua casa, com as insígnias,  acompanhado do novo imperador.

            A Verônica é um doce em formato de medalhão, que tem no centro e destacado em alto relevo o símbolo do Divino.

 Após a missa das 19:00 horas acontece a procissão Luminosa do Divino. No trajeto do séquito, as pessoas enfeitam as portas da casa, com  flores, tecidos etc. No final da procissão, na Catedral de Santana há bênção dos fiéis.

Na festa de "Corpus Christi", depois da procissão, ocorre a posse dos novos festeiro e repassadas as insígnias, oportunidade em que a bandeira  do mastro é retirada da porta da igreja e entregue ao Primeiro Capitão do Mastro.

As insígnias são peças de prata em cujo ápice encontra-se a pomba representando o Divino Espírito Santo, são elas coroa, cetro e salva.

A coroa é o símbolo maior da realeza, utilizada pelo Imperador durante a festa.

          O cetro representa o poder de mando e decisão, também carregado pelo Imperador.

          A salva é uma bandeja de prata, onde são depositados os donativos, razão pela qual representa a fartura, prosperidade e a repartição. Sobre ela  são colocados a coroa e o cetro que durante a festa o Imperador carrega com as mãos.

A bandeira é feita em tecido vermelho, geralmente veludo alemão, onde é pintada ou bordada a figura da pomba, colocada em varão com ponteira  (ponta de  lança) metalizada e é usada na Folia, acompanhando a coroa e o cetro.

Outro tipo de bandeira é armada em um quadro que sustenta o tecido onde é pintada ou aplicada a figura da pomba.

O Trono é armado na igreja para que as insígnias sejam nele guardadas durante a missa. A ornamentação fica a critério do festeiro.

O trono da casa do imperador é uma espécie de altar, armado em local de destaque, ao qual se procura dar o aspecto de fausto e  suntuosidade, onde repousa a coroa e o cetro, ladeados pelas bandeiras.

O Imperador é a figura mais importante da festa, a quem compete a guarda das insígnias, organiza e arca com as despesas a ela pertinentes.

          Desde a posse a sua casa torna-se a sede do império.

         O Alferes da Bandeira é o elemento responsável pela guarda da bandeira do mastro, pela elaboração do roteiro da visita da bandeira na casa  dos capitães, é encarregado da ornamentação da bandeira, do andor e da procissão que se realiza no sábado que antecede o domingo de Pentecostes.

 Aos Capitães de Mastro, em número de seis (06), compete o preparo do mastro, o foguetório da hora do levantamento.

 Os Mordomos da Fogueira, que na atualidade não mais existem, era responsáveis pelas três fogueiras montadas na praça da matriz.

Os Novenários, cargos introduzidos na festa na década de 50, são responsáveis pela novena, cada qual no dia em que foram sorteados. Ajudam o  Imperador na organização do trono, na ornamentação da igreja e na compra de foguetes.

          A praxe é que o Novenário queime foguetes, no seu dia, às 6:00, 12:00 e 18:00 horas, no que é seguido pelo Alferes da Bandeira e Imperador.

           Os Paraninfos são instituições convidadas especialmente para participar das missas e da novena, tais como colégios, entidades de classe,  associações, irmandades, corporações militares, instituições bancárias etc. Não possuem responsabilidade específica, a não ser a presença na novena no dia para qual  foram designados.



                           Os Hinos:

 

A) A Nós Descei (Entoado durante a Folia)


             A nós descei, divina luz (2x)
             em nossas almas acendei,

             o amor o amor de Jesus (2x)

Vinde Santo Espírito, que do céu mandai
a divina luz (2x)

Vinde Pai dos pobres, doador dos dons
luz dos corações (2x).


B) Ó Vinde (Entoado durante a Folia)


            Ó vinde em nós Espírito Santo
            do céu vossa luz nos mandai
            Ó vinde inspirar nosso canto
            A nossa frágil e confiança animai

Abrasai em divinas chamas (2x)
Inflamai em celeste ardor
Os nossos corações almas
No mais ardente e no mais puro amor (2x)

Ó vinde ó rico pai dos pobres
e dos fracos reparador
São débeis sem Vós os mais fortes
De todos sois amparo, Pai e protetor.

Abrasai em divinas chamas (2x)
Inflamai em celeste ardor
Os nossos corações almas
No mais ardente e no mais puro amor (2x)

C) Hino de Folia

O Divino pede esmola, dada de boa vontade
lá no céu terás o prêmio, da Santíssima Trindade.

D) Hino do Divino Espírito Santo

Música de Cônego Pio Joaquim Marques
Letra de Cônego José Iria Xavier Serradourada

1ª Parte
É chegado, o Pentecostes
o templo ostenta alegria (2X)
Canta, canta, o povo hinos devotos
Neste majestoso dia (2X)

Sobe aos céus o nosso incenso
Hinos ressoam ao deus imenso (2x)

2ª Parte

Vinde Espírito Divino
os corações acendei (2x)
com todos os que vos louvam
Os vossos dons despendei (2x)

Línguas de fogo o céu derrama
Nos corações acende a chama (2x)

E) Capitão do Mastro


            Capitão do Mastro cadê você
            Tá debaixo da cama foi se 'escondê'
            Um gole de pinga outro de 'licô'
            Capitão do Mastro cadê o 'sinhô'.



             

Mendonça, Belkiss Spenciére Carneiro de - A Música em Goiás (Gráfica e Editora Lider - 1.980)

Lacerda, Regina - Folclore Brasileiro - Goiás (Funarte - 1.977);Etzel, Eduardo - Divino Simbolismo no Folclore e na Arte Popular (Livraria Kosmos Editora Ltdª - 1.995);Passos, Elder Camargo (Pesquisa Levantada e Organizada pela OVAT - Organização Vilaboense de Artes e Tradições - em 1.991, atualizada em 2.001 e 2.003, que teve como fonte as seguintes obras {Brown, Jorge - A Festa do Divino em Vila Boa - "O Popular"-Goiânia, 18/08/74 - Caderno 2;Cascudo, Luiz Câmara Cascudo - Dicionário do Folclore Brasileiro - 3ª Ed. Brasília - Inst. Nacional do Livro 1972;Costa, Jaime do Nascimento - Histórico da Festa do Divino Espírito Santo - Resenha Mimeografada - 1.981 - Complementação da relação de Imperadores do Sr. João da Costa Oliveira de 1950 a 1.991; Guia do Folclore Fluminense - Organizado pela Divisão de Folclore do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Rio de Janeiro - 1.985;Júnior, Heber da Rocha Rezende - Festa do Divino - O Albor, Cidade de Goiás, nº 2 de 01 a 31/05/1980 pág. 5; Jayme, Jarbas - Esboço Histórico de Pirenópolis - Goiânia - Imprensa da UFGO - 1971; Lacerda, Regina - Vila Boa e Folclore - Goiânia/Prefeitura Municipal 1957 - Bolsa de Publicação Hugo de Carvalho Ramos; Monteiro, Ofélia Sócrates do Nascimento - Reminiscências, Goiás de Antanho - Goiânia Editora Oriente - 1974; Oliveira, João da Costa - Hino do Divino Espírito Santo - Cópia manuscrita de 19 e relação dos Imperadores de 1872 a 1949;Pohl, João Emanuel - Viagem no Interior do Brasil - Rio de Janeiro - Instituto Nacional do livro 1951 2º V; Saint, Hilaire Auguste de, Viágens às Nascentes do rio São Francisco e pela Província de Goiás, Teixeira, Amália Hermano - Folia do Divino em Natividade de Goiás - Revista Brasileira de folclore - São Paulo Maio/Agosto de 1974; Pereira, Niomar de Souza Jardim e Veiga, Mara públio de Souza - Uma Festa religiosa Brasileira - Festa do Divino em Goiás e Pirenópolis - São Paulo - Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas - 1978.)
Além das obras acima citadas, os dados foram colacionados pelo costume e por meio de oitiva de pessoas como Maria do Rosário Veiga, Elder Camargo de Passos, Jaime do Nascimento Costa, Silvia Curado, Maria Antonieta Ramos Jubé, Roberto da Rocha Rezende, Guilherme Antônio Veiga, Salma Saddi e José Geraldo Andrade Neto (in memoriam), por Maria Cármen Ramos Jubé.