Entre a Lenda
e a História
‘Uns dizem que
há mais de quatrocentos anos os vulcões que soterravam a
Ilha do Velho Arcanjo Miguel, que a crise de 1563/64, com o
Pico do Sapateiro em erupção, é de perene memória para os
ribeiragrandenses, levaram um Governador seu a vir, em
cavalgada, acompanhado por mordomos do Divino Espírito
Santo, agradecer a São Pedro, da Ribeira Seca, Ribeira
Grande, milagres ocorridos.
Outros
garantem que um mouro, para se afirmar cristão, organizou
uma procissão de Cavaleiros, onde nela usou uma máscara,
tendo feito uma peregrinação até ao templo do Apóstolo Papa.
Outros mais
asseverem que o Rei das Cavalhadas representa o Chaveiro do
Céu, quando este, em pregação, congregava multidões para a
fé no Senhor.
Outros ainda
afirmem que os Cavaleiros daquele seguidor de Cristo fazem
lembrar torneios e manifestações teatrais de épocas tardo
medievais.
Finalmente, alguns de entre
eles postulam que as
Alâmpadas,
longos cachos armados com flores [bordões de São José e
hortências] e frutos temporãs [entre outros, o milho, o
pepino, a ameixa e o ananás], derivam de uma forma de
agradecimento pelo renascer da terra depois de estéril
devido às seculares crises vulcânicas.
Dir-se-á que estamos ante uma
multiplicidade de explicações, a resvalarem no seio do
lendário [lenda],
para a origem das Cavalhadas de São Pedro e de elementos
festivos em seu redor.
Outros tantos,
muito mais tardios, preferindo a explicação racional, ainda
a aguardar mais investigação, às probabilidades fantasiosas,
aproximam-na do Culto do Divino Espírito Santo, num
simultâneo com o de Pedro.
É uma verdade
que embate em meados do século XIX. Para eles, inclusive, um
dado acompanha, em pé de igualdade, as Cavalhadas do
Apóstolo: a Mascarada, a Burricada e a Comédia [exemplo de
teatro de rua, em tom satírico].
Imagine-se o
ambiente de Festa vivido nesse 29 de Junho, dia de São
Pedro, o qual, a partir de 1910, feito Feriado Municipal.
A Festa das
Cavalhadas, com o seu Rei, ladeado por dois Lanceiros
[Vassalos], a abrirem o Cortejo, seguidos por duas alas com
dezenas de Cavaleiros, aparecendo no meio delas 3
Corneteiros, e com um fecho vigiado por outros dois
Lanceiros, começa na Ribeira Seca, concretamente, no Solar
da Mafoma e na igreja paroquial.
Aqui é
declamada uma Embaixada ao Apóstolo Pedro [‘Eu venho à vossa
presença/ para vos pedir licença/ a São Pedro o Pescador/
que receba a nossa embaixada/ que trago na mente gravada/ a
doutrina do Senhor’, s.d.] e dadas Sete voltas – dizem que
relativas aos Sete Dons do Espírito Santo - em redor do seu
templo.
Em seguida,
vai aos Paços do Município, ali mesmo ao lado da igreja do
Espírito Santo [também conhecida como do Senhor dos Passos
ou da Misericórdia] e do Jardim Municipal, onde procede a
uma embaixada de cortesia junto das autoridades municipais e
dá três voltas em redor do mesmo Jardim [suposto ser em
redor daquela igreja] num apelo, dizem, para a necessidade
de Deus, em Santíssima Trindade, e presença viva através da
Fé, Esperança e Caridade, percorrendo de imediato a igreja
Matriz [uma volta] e a ermida de Santo André, porque irmão
de Pedro [três voltas, freguesia da Matriz], e ruas de todas
as freguesias citadinas.
As Cavalhadas
terminam no pequeno palácio da Mafoma.
A folia, a zomba, a máscara,
as
Comédias de São Pedro,
precisa não esquecer, seguem-lhe o rasto: ‘Boa tarde gente
amiga/ do mais velho ao mais novo/ vai ser uma grande
espiga/ se vai doer a barriga/ a alguém do nosso povo’
[1994].
Dir-se-ia que
para essa mais recente explicação estamos perante uma dupla
Festa: um dos lados a cair na religiosidade [Divino Espírito
Santo com dons benéficos e São Pedro em Calendário festivo:
a missa e de 7 em 7 anos a procissão], situação que a lenda
não denega, o outro, que a lenda não releva, a fazer emergir
uma espécie de Carnaval tardio.
A Festa nas
suas vertentes de sagrado e de profano não poderia ser mais
completa.
[Hermano
Teodoro, 2003 |