As Cavalhadas de Pirenópolis

Reconhecida como uma das mais significativas cavalhadas do Brasil, esta festa virou símbolo, modelo para outras cidades. A pompa, a garbosidade e a seriedade desta manifestação encantam até mesmo nós, pirenopolinos, que já acostumados estamos a ela.


Sua origem na Europa

Durante a dinastia carolíngia, em finais do século VIII d.C., portanto há quase de 1300 anos, Carlos Magno, de religião cristã, investiu contra os sarracenos, de religião islâmica, para impedí-los de invadir o centro da Europa, o sul da França. Carlos Magno, ao se afastar da França, deixou-a exposta a invasão pelos saxões, obrigando-os a retornar. Porém deixou na liça o valente Conde de Rolando com sua guarda pessoal: Os Doze Pares de França. Quando ocorreu a famosa Batalha de Roncesvalles, em 778 d.C. Rolando foi massacrado pelos árabes sarracenos, de religião islâmica, e aldeões locais, de religião cristã. Apesar da derrota, o feito foi amplamente divulgado, como mostra de bravura e lealdade cristã, por trovadores que viajavam por toda a Europa. E ficou sendo conhecida como a "A Canção de Rolando", um verdadeiro épico, cantado em trova, como forma de incentivar a população cristã contra as investidas dos exércitos islâmicos.

Conhecidos como mouros, os mulçumanos da Mauritânia, invadiram, nos idos do século VIII, o sul da Península Ibérica, dominando a região de Granada, de onde foram expulsos somente em fins do século XV. Foram quase 800 anos de ocupação moura por quase toda a península, o que, inegavelmente, colaborou para o avanço tecnológico destas nações, uma vez que os mulçumanos árabes, propagadores do islamismo, eram mais evoluídos, do ponto de vista tecnológico, artístico e cultural, do que os cristãos da época. Os reis que resistiram a este avanço refugiaram ao norte da península e mantiveram intacta sua cultura, vindo deles a iniciativa de expulsão da soberania moura na Península Ibérica.

Incorporada ao folclore, durante séculos, a História de Carlos Magno era atração nas vozes dos trovadores e, somente em idos do século XIII, em Portugal, é que resolveu instituí-la como uma festividade, aos modos de uma representação dramática, quase que como um jogo de xadrez, a fim de incentivar a instituição cristã e o repúdio aos mouros. Num grande campo de batalha, onde de um lado, o lado do poente, 12 cavaleiros cristãos vestidos de azul, a cor do cristianismo, lutam contra 12 cavaleiros mouros vestidos de vermelho, encastelados no lado do sol nascente.

No Brasil e em Pirenópolis

No Brasil esta representação dramática foi introduzida, sob autorização da Coroa, pelos jesuítas com o objetivo de catequizar os gentios e escravos africanos, mostrando nisto o poder da fé cristã. Por todo o Brasil encontramos as Cavalhadas sendo representada, em diferentes épocas, prova de que esta manifestação folclórica nada tem a ver, de origem, com a Festa do Divino ou a Pentecostes, como é no caso de Pirenópolis.

Introduzida em Pirenópolis em 1826, pelo padre Manuel Amâncio da Luz, como um espetáculo chamado de "O Batalhão de Carlos Magno". Pirenópolis manteve forte esta tradição, uma porque os primeiros colonizadores desta antiga cidade mineradora eram, em sua maioria, portugueses oriundos do norte de Portugal, local onde mais se resistiu à invasão moura, outra porque o caráter centralizador da população dominante viu com bons olhos o efeito separatista entre as classes sociais. Porém o que mais motiva a população a manter viva a infindável rixa entre mulçumanos e cristão é a beleza do espetáculo e o prazer pela montaria.

A festividade

As Cavalhadas de Pirenópolis, considerada uma das mais expressivas do Brasil, é um longo ritual de três dias seguidos, cujos preparativos começam uma quinzena antes, no início da Festa do Divino, que é marcada pela saída da Folia. Durante uma semana os cavaleiros se reúnem num campo, que não é o oficial, para ensaios das corridas que vão executar nos três dias do evento. Nestes dias, às quatro horas da manhã, a Banda de Couros, formada por um saxofonista seguido de vários meninos empunhando rústicos tambores de couro, executando cantigas melodiosas, percorrem a cidade a pé avisando a população, e principalmente os cavaleiros, que é chegada a hora de se levantar, arriar os cavalos e dirigir-se ao ensaio. Primeiro, parte de sua residência o último cavaleiro dos doze de cada exército e, seguindo uma hierarquia, vão de casa em casa, agrupando o resto da tropa, até que, por último junta-se a tropa, o Rei.

A hierarquia dos exércitos da Cavalhadas segue, tanto para os cristãos como para os mouros, a seguinte ordem: dos doze cavaleiros, temos no mais alto posto o Rei, abaixo deste temos o Embaixador e seguindo abaixo os dez restantes cavaleiros. O último cavaleiro só subirá de posto se houver morte ou desistência de algum outro acima, o mesmo acontece com o Embaixador, que só tornar-se-á Rei se o próprio Rei morrer ou desistir. Depois de reunidos os dois exércitos, estes seguem em fila hierárquica, com o Rei a frente para a casa de um cidadão que se prontificou a lhes fornecer, por cortesia e respeito, o desjejum matinal, chamado de "Farofa". Neste vai e vem de cavaleiros cavalgando pelas ruas da cidade, não podem os cavaleiros cristãos se encontrarem com os mouros, a não ser na ocasião da Farofa e posteriormente no ensaio. Na Farofa é servido café, biscoitos, sucos, refrigerantes, bebidas alcoólicas e a "Farofa" propriamente dita, iguaria derivada das antigas tropas que vazavam os sertões, composta de farinha de mandioca e carnes secas. Os cavaleiros, nesta ocasião, rezam em grupo e dançam a Catira, uma dança folclórica onde se enfileiram frente a frente os 24 cavaleiros e, embalados por violas, pandeiros e canções, batem palmas e pés no ritmo cadenciado e típico. Após o agradecimento, que é feito em forma de cantilenas, ao dono da casa que ofereceu a Farofa, partem para o campo de ensaio.

O Domingo do Divino

No Domingo do Divino é repetido o mesmo ritual de recolhimento da tropa, só que ao meio dia, sem Banda e sem Farofa, e devidamente paramentados. A forma com que os cavaleiros se apresentam no campo oficial hoje, não são as mesmas de outrora. Antigamente os cavaleiros assemelhavam-se a oficiais de milícia, envergando farda militar de gala com galoneiras douradas e quepes de veludo, mas sempre cristãos em azul e mouros em vermelho, os reis e embaixadores usavam elmos de estilo romano. Hoje, com a criação de tecidos sintéticos e a nova estética carnavalesca, os Cavaleiros se apresentam um tanto mais luxuosos, chegando a usar elmos de metal dourado, para o caso do Rei e Embaixador mouro, e elmos prateados para os cristãos. Todas vestimentas são ricamente ornamentadas com plumas, metais polidos, pedras incrustadas, veludos, fitas e tecidos vistosos, e todos os cavaleiros sustentam longos mantos bordados e cravejados de lantejoulas multicores formando desenhos simbólicos das duas crenças, como o peixe ou a pomba branca para os cristãos e o dragão ou a lua e estrela para os mouros. Levam também uma lança, com fitas na ponta, uma espada e uma pistola com tiros de festim, para o combate. Os cavalos também são amplamente ornamentados, com patas pintadas, protegidos na fronte com metais polidos, e envergando plumas na cabeça.

As Cavalhadas, propriamente dita, inicia-se no Domingo às 13:00 h no campo oficial construído para este fim, o Campo das Cavalhadas. Rodeando o Campo são erguidos camarotes rústicos feitos de paus e telhados de palha, semelhantes às palafitas. Aqueles que tem posses compram os camarotes e a população assiste o espetáculo de pé, abaixo destes, ou numa pequena arquibancada de tábuas. Ambulantes vendem lanches, churrasquinhos de espetos, refrigerantes e cervejas no meio da população. Os camarotes mais bem localizados são os oficiais, onde abrigam as autoridades civis e a Banda de Música.

Na abertura solene das Cavalhadas ingressa no campo todos os grupos folclóricos da Festa do Divino que fazem sua própria apresentação: Catireiras, Congados, Pastorinhas, Dança de Fitas, Banda de Couros, a Banda de Música Phoenix e os Cavaleiros Mascarados. Um dos momentos mais emocionantes da abertura é a evocação ao Divino sob execução do Hino do Divino pela Banda de Música. Toda a população fica de pé com chapéus na mão. No campo, voltados para os camarotes oficiais, os grupos folclóricos formam blocos à frente dos mascarados que sustentam-se em pé sob o dorso de seus cavalos.

Os Mascarados

Os Mascarados é tão grande atração quanto os cavaleiros mouros e cristãos. Conhecidos também como "Curucucús", por causa do som que emitem, são pessoas que se vestem com máscaras, roupas coloridas, luvas e botas. Mudam a voz ao falar e cobrem todo o corpo para que ninguém os reconheçam. Enfeitam seus cavalos com fitas, tecidos, plantas e tudo quanto a criatividade mandar. Tradicionalmente existe vários tipos. Os mais tradicionais são aqueles com máscara de cabeça de boi, seguindo pelos que usam máscaras de onça, máscara de homem, e mais recentemente apareceram aqueles com máscaras de borracha, com cara de monstro, desfocando um pouco a originalidade da Festa. Mas isso não diminui a beleza e o entusiasmo dos Mascarados, que já no sábado saem às ruas à galope em algazarra. Pedem com vozes fanhosas cervejas e cigarros aos transeuntes e divertem a população com suas acrobacias e brincadeiras.

A máscara de boi é a mais tradicional e só é encontrada entre os Mascarados de Pirenópolis. Outro mascarado muito interessante é o São Caetano, chamado assim pois orna seu cavalo, escondendo-o, com ramas de Melãozinho de São Caetano, erva trepadeira muito comum, e folhas de bananeiras. Leva na cabeça uma máscara de homem, com um chifre reto na testa, e na mão uma cesta de frutas que atira para a platéia. Outro muito engraçado veste-se com um macação extremamente grande de tecido de colchão que recheia com capim, ficando enormemente gordo, envolvem a cabeça com um pano preto onde pinta em branco a face de uma caveira.

Não se sabe a origem destes personagem, que são encontrados em todas as cavalhadas do Brasil com diversas diferenças entre as cidades. Eles se fundem com os cristãos e mouros num trinômio perfeito. Representam o papel do povo e daqueles que não tem acesso a pompa dos cavaleiros, que representam socialmente a elite e o poder. São irônicos e debochados, fazendo críticas aos poderosos e ao sistema. E, ao contrário da rigidez dos Cavaleiros, entre os Mascarados não há regras, tudo é permitido, menos mostrar sua identidade.

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