A Igreja professa a sua fé no Espírito Santo como Aquele
«que é o Senhor que dá a vida» e proclama-O no Símbolo da
Fé, chamado Niceno-Constantinopolitano, do nome dos dois
Concílios – Niceia (em 325) e de Constantinopla (em 381).
Este ano celebra-se o vigésimo aniversário da Encíclica «Dominum
et Vivificantem» do Papa João Paulo II. Apresentada a 18 de
Maio de 1986, «O Espírito Santo na Vida da Igreja e do
Mundo» relata que esta fé, professada ininterruptamente pela
Igreja, “precisa de ser incessantemente reavivada e
aprofundada na consciência do Povo de Deus. Nos últimos dois
séculos assim aconteceu por mais de uma vez: desde Leão
XIII, que publicou a Encíclica «Divinum illud munus» (ano de
1897), exclusivamente dedicada ao Espírito Santo, a Pio XII,
que na Encíclica «Mystici Corporis» (ano 1943) se referiu de
novo ao Espírito Santo como princípio vital da Igreja, na
qual opera conjuntamente com a Cabeça do Corpo Místico,
Cristo, até ao II Concílio Vaticano que fez notar a
necessidade de renovada atenção à doutrina sobre o Espírito
Santo, como acentuava o Papa Paulo VI: “à Cristologia e
especialmente à Eclesiologia do Concílio deve seguir-se
estudo renovado e culto renovado do Espírito Santo,
precisamente como complemento indispensável do ensino
conciliar” (Audiência geral de 6 de Junho de 1973).
Corporativismo sócio-religioso medieval
Em Portugal, as Confrarias, Irmandades ou Fraternidades –
típicas do Corporativismo sócio-religioso medieval –
«beberam» sempre da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
Inspiradas pelos modelos mendicantes, estas formulavam um
compromisso de vida e definiam propósitos – culto ao
Salvador, Nossa Senhora ou algum santo – apoiados numa obra
de misericórdia: “dar de comer aos famintos, vestir os
andrajosos ou sufragar os irmãos falecidos” (Gomes,
Pinharanda; In: «A cidade Nova»).
E acrescenta: “são sufragâneas da caridade, servas do amor,
que é este o verdadeiro nome do Senhor Espírito Santo”. As
confrarias do Espírito Santo, promotoras do culto, dos dons
e dos frutos, surgiram em quase todos os tempos da
medievalidade e da modernidade, um pouco por todo o país.
Entre os rios Douro e Tejo e, neste espaço, com maior
intensidade nas dioceses de Lamego, Viseu, Coimbra, Leiria,
Santarém e no extinto bispado da Egitânia (hoje divido pela
diocese da Guarda e Portalegre) “os “inventários” (Gomes,
Pinharanda) demonstram que existia nestas terras um
arreigado culto ao Espírito Santo. Portugal continental
tinha mesmo o epíteto de «Império do Espírito». Para além
das localidades citadas tínhamos também na Costa Alentejana
e no litoral Algarvio enclaves onde os cristãos viviam
intensamente o culto ao Espírito Santo.
Os pescadores associavam-se em Confrarias de Misericórdia –
de invocação ao Divino Espírito Santo – e dispunham mesmo de
hospitais próprios, como foram os casos de Alfama, Lagos e
Tavira. Quando se olha para o mapa dos conventos
franciscanos fundados na medievalidade e as zonas de
influência da Ordem de Cristo (de Tomar às fortes posses no
interior da Beira Egitaniense) percebe-se o porquê do culto
ao Espírito Santo e às instituições que estão na rectaguarda
deste mesmo culto. A teoria deste «nascimento» não é
consensual para todos os historiadores. Há quem defenda que
a «mãe» destas festividades – de acordo com um conjunto de
narrativas eclesiásticas seiscentistas – é a rainha Santa
Isabel.
Império significa, no contexto do culto, as festas dedicadas
ao Divino Espírito Santo, “por antonomásia, já que Império é
o nome conferível às Irmandades e às Mordomias que promovem
as festividades. (Gomes, Pinharanda). Também por
antonomásia, nas ilhas açorianas o nome de Império é dado a
uma espécie de capelas – em alvenaria ou madeira – onde se
realiza uma parte das funções ou cerimónias das festas e
onde se expõem as insígnias do Divino. Existem Impérios de
homens, de jovens (nas Beiras, as festas são muitas vezes
promovidas pelas «confrarias da mocidade» - não têm
estrutura permanente - visto que são constituídas por
rapazes que nesse ano atingem a maioridade), e casais, de
mulheres (caso dos Açores, na região de Viseu e do Alto
Alentejo) e de meninos (Açores e Lisboa). Segundo informação
de Mons. Manuel Ferreira da Silva a Pinharanda Gomes, na
Igreja de Santa Isabel (Lisboa) foi instituída, em 1787, a
Real Irmandade do Divino Espírito Santo Império dos meninos.
Existem igualmente relatos que referem que, em determinados
conventos de Lisboa e dos Açores, se faziam Impérios de
Freiras.
A primeira Confraria do Espírito Santo
A mais antiga Confraria do Espírito Santo de que há noticia
é a de Benavente, anterior às festas de Alenquer, e que
cuidava de duas obras de misericórdia: dar de comer aos
famintos e enterrar os mortos. “Os confrades participavam
nos funerais com uma dança de carácter sagrado, a celebração
jubilosa da morte” (Azevedo, Ruy Pinto; “O compromisso da
Confraria do Espírito Santo de Benavente”; in: Lusitânia
Sacra, 6, 1962). Apesar de Benavente ver nascer a sua
confraria primeiro, a localidade de Alenquer – por
iniciativa da rainha Santa Isabel – viu “as primeiras e mais
importantes festas” (Gomes, Pinharanda) dedicadas ao culto
do Espírito Santo.
A partir do continente, as Festas do Espírito Santo
irradiaram para um conjunto de territórios povoados e
colonizados pelos portugueses.
A sua existência é conhecida na Madeira e no Brasil mas foi,
sobretudo no arquipélago dos Açores – onde a sua origem
“parece remontar aos tempos iniciais do povoamento”
(Frutuoso, Gaspar; in: “Saudades da Terra”) – que elas
conheceram uma difusão mais importante. Atestada pela sua
presença em todas as freguesias do arquipélago açoriano,
esta vitalidade das Festas do Espírito Santo “expressa-se
também na constante capacidade de diálogo entre tradição e
modernidade que elas evidenciam”. (Leal, João; “As Festas do
Espírito Santo nos Açores”; in: Communio, 2, 1998). Esta
vitalidade expressa-se também no modo como, a partir destas
ilhas atlânticas, as Festas se difundiram nos principais
contextos de acolhimento da emigração açoriana: primeiro o
Brasil e depois nos Estados Unidos da América e no Canadá.
Da Páscoa ao Pentecostes
As Festas do Espírito Santo não se limitam somente ao
Domingo de Pentecostes. Elas começam à meia-noite de Sábado
de Aleluia e prolongam-se até à Festa de Pentecostes, data
em que a Igreja celebra a descida do Espírito Santo sobre os
Apóstolos. Em determinadas localidades dos Açores, elas
estendem-se “pelo Verão adentro, incluindo as «festas
joaninas» e, nalgumas ilhas, ainda se festejam em Outubro,
pouco antes do início do Advento”. (Gomes, Pinharanda). Esta
dilatação do tempo deve-se ao facto de o bispo de Angra, D.
António Vieira Leitão, ter determinado, no início do século
XVIII, “que não houvesse mais do que um Império ou festa com
«vôdo» em cada freguesia e que não fossem celebrados no
mesmo dia em todas as freguesias mas que estas o fizessem em
cadeia ao longo dos Domingos a partir da Páscoa” (Gomes,
Pinharanda). Uma forma de os pobres terem mais oportunidade
de receber esmola, assistência e alimento durante mais
tempo.
No centro dos festejos encontram-se uma ou mais Coroas do
Espírito Santo, forma consagrada de representação da
divindade. Estas coroas são de prata trabalhada – encimadas
por uma pomba – e constituem a insígnia central de um
conjunto de que fazem ainda arte um ceptro e uma salva,
ambos em prata. As formas de organização dos festejos, ao
mesmo tempo que prevêem a participação e intervenção do
conjunto comunidade, caracterizam-se sobretudo “pelo relevo
que concedem a formas de patrocínio individual dos festejos,
resultantes em muitos casos de promessas feitas ao Espírito
Santo”. (Leal, João). Depois dos anos 60, devido à
influência da emigração, tornaram-se frequentes os casos em
que este patrocínio individual tende a ser assegurado por
emigrantes, que se deslocam expressamente aos Açores.
O imperador é secundado por um determinado número de
ajudantes que assumem determinadas funções. Entre estes
destaca-se a «folia» que assegura a direcção e o
acompanhamento musical dos festejos. Em muitas ilhas, as
folias têm vindo a ser gradualmente substituídas por
filarmónicas. Em geral, a sequência dos festejos articula-se
em torno de três referentes espaciais: a casa do imperador
(onde a coroa é instalada num altar); o Império e a Casa do
Espírito Santo (dois edifícios ligados exclusivamente ao
culto do Espírito Santo) e a Igreja paroquial. A cerimónia
religiosa “mais importante das Festas é sem dúvida a
coroação, que consiste na imposição solene da Coroa ao
imperador ou mordomo, ou alguém por ele escolhido, realizada
pelo padre no termo da missa” (Leal, João).
O lado social dos festejos
A sequência ritual das Festas do Espírito Santo concede
também um lugar de relevo a um conjunto de refeições,
dádivas e distribuições de alimentos cerimoniais. Nestas
dádivas estão incluídas as «célebres» sopas do Espírito
Santo – feitas à base de carne de vaca cozida e de fatias de
pão de trigo – diversas variedades de pães de massa sovada,
biscoitos e doces. Apresentam uma importante dimensão
religiosa mas caracterizam-se também pelo relevo que
concedem às relações sociais: tanto dos residentes como
daqueles que se deslocam propositadamente dos países onde
estão a laborar.
Estes festejos contrariam as leis dominantes da mentalidade
actual que vive baseada “no interesse e na eficiência”
(Dias, Manuel Madureira; “Com o Espírito Santo rumo ao ano
2000”). Por isso, “poucas coisas têm uma força tão
irresistível como o gesto gratuito do dom, porque contradiz
a lógica fria do lucro”. Para que o Espírito Santo alimente
em nós a esperança e a torne eficaz precisa de encontrar
receptividade e cooperação. As festas dos Espírito Santo são
um exemplo dessa receptividade.
Luis Filipe Santos
|