O Culto Paraclético na Arte Portuguesa

  

Não é possível exprimir aqui todos os traços principais da problemática que defronta o estudioso da iconografia do Espírito Santo e, em particular, na arte portuguesa. Não só essa iconografia é relativamente pobre, quase sempre indirecta ou alusiva. como levanta questões teológicas difíceis, ligadas à terceira hipóstase de Deus e ao lugar que a Terceira Pessoa ocupa na processão da Trindade divina. Para mais, as disposições que emanaram do Concílio de Trento, relativas à arte sagrada, condenando e banindo grande número de assuntos, entre os quais se incluíam as representações trinitárias da divindade, as imagens tricéfalas de Cristo e, como seria de esperar, as figurações relacionadas com o culto do Espírito Santo, vieram agravar a situação com que se defronta o investigador. Foram destruídas ou desapareceram muitas obras de arte em número que nunca viremos a saber.

É a partir do que existe, e da noticia que haja daquilo que existiu, que poderemos começar a estabelecer o quadro das representações artísticas do ternário paraclético. (Remete-se o leitor para as notas que se reúnem sob o título “A iconografia do Espírito Santo”, lidas na comunicação ao Congresso sobre o Culto do Espírito Santo, que teve lugar na Biblioteca Nacional em Maio de 1989.) Aqui a evocam-se apenas alguns pontos de natureza geral e a citar um exemplo iconográfico que é, para mais, uma das obras-primas essenciais da nossa arte.

O Espírito Santo é quase sempre representado – ou aludido – por emblemas e sinais, tais como a pomba, as línguas de fogo do Pentecostes, a mão de Deus emitindo raios, mais rara e secretamente pelo recurso a símbolos como os batons ecotes da crux decussata, na heráldica do Tosão de Ouro; ou ainda, de modo talvez mais significativo, representado através dos seus "vigários", enviados ou embaixadores, como o anjo Gabriel, o arcanjo Rafael do episodio de Tobias, os três misteriosos visitantes de Abraão, etc.

O facto estranho é que quase não existem, nem na arte portuguesa nem na européia, representações da face da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade! A titulo de exemplo,     indica-se a Terceira Pessoa que está pintada na Coroação da Virgem, do mestre I. M, (século XV), no Museu de Basileia. Esta manifesta escassez é confirmada pelas longas investigações e porfiados estudos que o eminente especialista Serge Bulgakof dedicou à Teologia do Paracleto.

Bulgakof afirma, no seu livro Ie Paraclet (Paris, 1946), que “nenhuma das revelações sobre a comunicação do Espírito Santo, tanto no Novo como no Antigo Testamento, comporta qualquer manifestação da Sua própria hipostáse. O Espírito Santo revela-se, podemos dizer, de uma maneira não pessoal, por uma certa acção da Santíssima Trindade inteira, ou então do Pai e do Filho, que enviam a sua graça.

E onde parece tratar-se aparentemente da operação hipostática do Espírito Santo, um exame mais atento acaba por nos convencer de que se trata apenas da graça operante do Espírito Santo e não deste, da sua presença pessoal.

E noutro passo da sua obra o mesmo erudito autor escreve estas profundas palavras: A Face do Espírito Santo permanece velada de mistério, é incognoscível, irrevelada em si mesma. Será esse o mistério do século vindouro, uma revelação ainda não realizada, comparável à ignorância do Antigo Testamento quanto à revelação pessoal do Filho A aparição da Face do Espírito Santo ultrapassara aquilo que pode conter o «reino da graça», e só terá lugar no «reino da Glória»? [...] Como pessoa da Santíssima Trindade, o Paracleto ainda não se manifestou...