17 de abril - Quarenta
dias depois da Quaresma, tem lugar a festa mais popular
do Brasil - a do Espírito Santo. É celebrada durante
vários dias nas igrejas da Lapa, Santa Rita e Santa Ana.
Cada uma delas mandou para a rua um bando de esmoleres
que durante cinco semanas vão percorrendo a cidade
inteira. Já haviam visitado os navios da baía com seu
grito: "Esmolas para o Espírito Santo". Sempre eram
acompanhados de músicos, habitualmente negros. A banda
da Lapa é composta de barbeiros brancos, que são famosos
como violinistas e tocadores de clarim assim como
sangradores. Oferecem os seus serviços e a um preço mais
elevado do que os dos seus irmãos de cor. Enquanto esta
manhã ia escrevendo uma carta, Dona H. subiu as escadas,
pedindo-me que descesse. "Depressa! O Espírito Santo
está subindo o Catete. Não quer vê-lo?" Tenho certeza de
que ninguém se surpreenderia tanto a esta revelação
quanto eu fiquei surpreso, assim como à inesperada
ingenuidade com que foi feita. Desci, e olhando da
janela aberta, perguntei: "Onde?" "Está naquela venda e
daqui a pouco sairá" - responderam-me. Pouco depois uma
banda de negros, consistindo de dois corneteiros, três
tambores, uma clarineta e um flautim emergiam e
recomeçavam a tocar uma valsa. Vinham em seguida
brancos, envergando alvas sobre a sua roupa cotidiana.
Dois traziam duas bandeirolas escarlates, em cada uma
das quais estava a figura de uma pomba triangular. Outro
trazia um pequeno pássaro de prata sobre um aparador.
Como o homem da bandeirola, trazia também uma bandeja
para esmolas. O quarto trazia uma bolsa enorme.
Os trovadores, os cantores, a menos quando se permite
que bebam qualquer coisa - como foi o que se deu agora -
mantêm-se no meio da rua, e regulam os seus passos mais
ou menos com o ritmo do dos homens revestidos de alva,
na calçada; ora arrastando-se vagarosamente, ora
parando, e depois prosseguindo, a música subindo ou
descendo, de acordo com os seus movimentos. Os esmoleres
visitam casa por casa mas na verdade têm necessidade de
bater em muito poucas, pois quase todo o mundo, atraído
pela música, já está na rua. Além, uma moça abriu a
veneziana de sua casa; o homem do estandarte salta em
sua direção e, afundando por um momento a cabeça da moça
no pano, estende-lhe a bandeja onde ela deixa a sua
contribuição. Na porta seguinte, um bando de moças havia
apanhado o pássaro e devolveram-no, não sem dar alguns
vinténs. Um vizinho agora levou a bandeira para dentro,
para que cada membro da família pudesse realizar um ato
de devoção, beijando-a; mais adiante uma negra,
vendedora de frutas, afunda o rosto entre as suas
dobras; sua oferta, duas laranjas, foi metida no saco,
receptáculo como se vê de donativos que não em dinheiro
- mas não de todos; os músicos agora se aproximam e o
clarinetista, posso assegurar, leva um galo sob o braço,
presente provavelmente, de um negociante de aves. É
natural que o não tivessem posto no saco, no meio de
ovos, pão, frutas e coisas deste jaez. Nada é recusado,
de cédulas a bananas, ou mesmo meio metro de fita
colorida para enfeitar o mastro da bandeira.
Agora é nossa vez; uma das bandeiras aparecia então à
nossa janela. Aí então a Senhora P. deu-lhe um beijo de
reverência. Em seu zelo, pobrezinha, e tomada da crença
popular de que beijava um talismã poderoso, utilizou-se
dele como de lenço ou toalha, esfregando com ela os
olhos, o rosto, o pescoço e o seio. Percebi então que
nem todo católico procura entrar em mais intimidade com
tais coisas. Algumas mesmo evitam tocá-las. Penso haver
percebido a causa deste sentimento, mas não quero
dizê-lo no momento. Terei oportunidade de confirmar ou
desfazer minhas convicções. Pompeu levou o abençoado
estandarte até a cozinha, a fim de confortar Chica, a
velha cozinheira negra; não tinha ela ainda terminado
suas devoções e já o gentil porta-bandeira lançava
ansiosos olhares, pois do outro lado da rua acenavam-lhe
para que fosse com urgência.
A banda já tinha passado; os músicos tocaram então uma
ária suave, que convidava os jovens à dança. O galo
chegou a cantar um acompanhamento. Independemente do
entusiasmado pífano, do tambor e das barulhentas
trompas, a cena era buliçosa. Os esmoleiros com seus
estandartes drapejando sobre as suas cabeças, e as alvas
flutuando-lhes às costas, corriam de lado para outro,
cruzando as ruas, à medida que as devotas iam aparecendo
às portas e janelas, enquanto os irmãos com o pássaro e
o saco atendiam as criaturas que os chamavam.
Muito ouvi falar sobre acontecimentos desta estranha
festa, mas é inútil estar especulando sobre o que
teremos oportunidade de acabar constatando com os
próprios olhos |