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Maio 2001
Ano III - nº 33

ESMOLAS PARA O ESPÍRITO SANTO

17 de abril - Quarenta dias depois da Quaresma, tem lugar a festa mais popular do Brasil - a do Espírito Santo. É celebrada durante vários dias nas igrejas da Lapa, Santa Rita e Santa Ana. Cada uma delas mandou para a rua um bando de esmoleres que durante cinco semanas vão percorrendo a cidade inteira. Já haviam visitado os navios da baía com seu grito: "Esmolas para o Espírito Santo". Sempre eram acompanhados de músicos, habitualmente negros. A banda da Lapa é composta de barbeiros brancos, que são famosos como violinistas e tocadores de clarim assim como sangradores. Oferecem os seus serviços e a um preço mais elevado do que os dos seus irmãos de cor. Enquanto esta manhã ia escrevendo uma carta, Dona H. subiu as escadas, pedindo-me que descesse. "Depressa! O Espírito Santo está subindo o Catete. Não quer vê-lo?" Tenho certeza de que ninguém se surpreenderia tanto a esta revelação quanto eu fiquei surpreso, assim como à inesperada ingenuidade com que foi feita. Desci, e olhando da janela aberta, perguntei: "Onde?" "Está naquela venda e daqui a pouco sairá" - responderam-me. Pouco depois uma banda de negros, consistindo de dois corneteiros, três tambores, uma clarineta e um flautim emergiam e recomeçavam a tocar uma valsa. Vinham em seguida brancos, envergando alvas sobre a sua roupa cotidiana. Dois traziam duas bandeirolas escarlates, em cada uma das quais estava a figura de uma pomba triangular. Outro trazia um pequeno pássaro de prata sobre um aparador. Como o homem da bandeirola, trazia também uma bandeja para esmolas. O quarto trazia uma bolsa enorme.

Os trovadores, os cantores, a menos quando se permite que bebam qualquer coisa - como foi o que se deu agora - mantêm-se no meio da rua, e regulam os seus passos mais ou menos com o ritmo do dos homens revestidos de alva, na calçada; ora arrastando-se vagarosamente, ora parando, e depois prosseguindo, a música subindo ou descendo, de acordo com os seus movimentos. Os esmoleres visitam casa por casa mas na verdade têm necessidade de bater em muito poucas, pois quase todo o mundo, atraído pela música, já está na rua. Além, uma moça abriu a veneziana de sua casa; o homem do estandarte salta em sua direção e, afundando por um momento a cabeça da moça no pano, estende-lhe a bandeja onde ela deixa a sua contribuição. Na porta seguinte, um bando de moças havia apanhado o pássaro e devolveram-no, não sem dar alguns vinténs. Um vizinho agora levou a bandeira para dentro, para que cada membro da família pudesse realizar um ato de devoção, beijando-a; mais adiante uma negra, vendedora de frutas, afunda o rosto entre as suas dobras; sua oferta, duas laranjas, foi metida no saco, receptáculo como se vê de donativos que não em dinheiro - mas não de todos; os músicos agora se aproximam e o clarinetista, posso assegurar, leva um galo sob o braço, presente provavelmente, de um negociante de aves. É natural que o não tivessem posto no saco, no meio de ovos, pão, frutas e coisas deste jaez. Nada é recusado, de cédulas a bananas, ou mesmo meio metro de fita colorida para enfeitar o mastro da bandeira.

Agora é nossa vez; uma das bandeiras aparecia então à nossa janela. Aí então a Senhora P. deu-lhe um beijo de reverência. Em seu zelo, pobrezinha, e tomada da crença popular de que beijava um talismã poderoso, utilizou-se dele como de lenço ou toalha, esfregando com ela os olhos, o rosto, o pescoço e o seio. Percebi então que nem todo católico procura entrar em mais intimidade com tais coisas. Algumas mesmo evitam tocá-las. Penso haver percebido a causa deste sentimento, mas não quero dizê-lo no momento. Terei oportunidade de confirmar ou desfazer minhas convicções. Pompeu levou o abençoado estandarte até a cozinha, a fim de confortar Chica, a velha cozinheira negra; não tinha ela ainda terminado suas devoções e já o gentil porta-bandeira lançava ansiosos olhares, pois do outro lado da rua acenavam-lhe para que fosse com urgência.

A banda já tinha passado; os músicos tocaram então uma ária suave, que convidava os jovens à dança. O galo chegou a cantar um acompanhamento. Independemente do entusiasmado pífano, do tambor e das barulhentas trompas, a cena era buliçosa. Os esmoleiros com seus estandartes drapejando sobre as suas cabeças, e as alvas flutuando-lhes às costas, corriam de lado para outro, cruzando as ruas, à medida que as devotas iam aparecendo às portas e janelas, enquanto os irmãos com o pássaro e o saco atendiam as criaturas que os chamavam.

Muito ouvi falar sobre acontecimentos desta estranha festa, mas é inútil estar especulando sobre o que teremos oportunidade de acabar constatando com os próprios olhos