Sebastianismo
O
SEBASTIANISMO E A "SALVAÇÃO" DE PORTUGAL
O século XVI foi o período mais adverso enfrentado pelo reinado
português. Com a expectativa de manter seu crescimento em conquistas
territoriais, o império luso se deparou com infortúnios e decepções
já com início dos 500. No ano de 1580, Portugal perdera sua
independência para os castelhanos, formando assim a União Ibérica,
condição que só teria fim em 1640.

Na verdade, o cenário político português ficou seriamente agravado
com o insucesso do rei d. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir no
Marrocos, em 1578. É importante ressaltar que o reinado de d. João
III (antecessor a d. Sebastião) já não apresentava grandes novidades
no sentido de alargar o império luso. Segundo alguns escritores, d.
João III apresentava uma postura "irrefletida" durante seu reinado,
revelando-se como um período de colonização e ocupação de terras já
conquistadas. Em 1577 morre d. João III e, aos 3 anos de idade d.
Sebastião é aclamado rei de Portugal. No entanto, a direção do trono
seria efetivada 11 anos depois, visto que neste ínterim, Portugal
passou a ser direcionado por um período regencial, representado da
seguinte forma: de um lado, o cardeal d. Henrique (tio avô do
menino-rei) representando os interesses portugueses, de outro;
Catarina de Habsburgo, (avó de d. Sebastião e tia de Felipe II de
Espanha), esta ultima tida como representante dos interesses
espanhóis em Portugal.
A união dos reinos ibéricos era um sonho muito antigo dos espanhóis.
No entanto, em 1385 os portugueses demonstraram superioridade ao
vencer os castelhanos na batalha de Aljubarrota sob o comando do rei
d. João I que nesta ocasião, daria início a importante dinastia de
Avis. O último filho vivo do rei português morrera pouco antes do
nascimento de d. Sebastião. Com isto, a Espanha deduzira que
finalmente teria sua oportunidade na unificação dos reinos, devido à
falta de herdeiros portugueses. Porém, em 1564 nasce d. Sebastião,
para alívio da coroa portuguesa, que agradeceu muito a Deus pelo
"envio" do novo monarca. Eis o cenário da condição do novo rei luso:
mal nascera e já carregaria consigo uma grande responsabilidade de
retomar a antiga posição de glórias e conquistas de seu país, e
ainda por fim definitivamente às intenções dos espanhóis em
direcionar Portugal.
Uma das conseqüências da perda da independência de Portugal foi uma
crença messiânica baseada na esperança, por parte dos lusos, da
volta de d. Sebastião, esta crença ficou conhecida como
"sebastianismo".
Este artigo pretende demonstrar, de maneira sucinta, os caminhos e
descaminhos que levaram os portugueses a esta fervorosa crença ao
sebastianismo. A historiografia portuguesa nos revela que para
entendermos melhor tal fenômeno, se faz necessário à compreensão do
envolvimento de d. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, ocorrida
em 04 de agosto de 1578. Experientes historiadores portugueses
afirmam que o curto reinado de d. Sebastião foi uma verdadeira
catástrofe, definindo o monarca como despreparado, insensato e
louco. Muitos que estavam do lado do "Desejado", procuraram
alerta-lo no sentido de não partir para tal disputa no Marrocos,
principalmente pelo conhecimento da superioridade dos soldados
inimigos.
A Batalha de Alcácer Quibir
D. Sebastião conheceu o fim de seu reinado quanto tomou a iniciativa
de partir para a batalha marroquina em junho de 1578. O reino
português venceu os mouros no século XII, alimentando assim, seu
maior desejo em fundar um império luso (sobretudo, religioso) ao
Norte da África. Essa batalha, denominada "milagre de Ourique", fora
considerada verdadeiro milagre divino, visto que na ocasião, as
tropas inimigas eram significativamente superiores aos soldados
lusos. Muitos afirmam que o desfecho favorável para os portugueses
deu-se graças à presença de Cristo, cuja aparição ocorrera para o
futuro monarca (Afonso Henriques) antes mesmo do confronto. Com esta
mentalidade d. Sebastião passou a representar uma expectativa certa
de que Portugal repetiria o prestígio de vitórias e expansão
retomadas, conforme relato a seguir:
"A inesperada vitória teria sido explicada pelo aparecimento de
Cristo, antes da batalha, ao futuro rei de Portugal, sinalizando a
intervenção sagrada no destino de gloria reservado aos portugueses."
" ...fincar estaca portuguesa no coração da África infiel era também
fazer a "guerra justa" e retomar o território cristão, injustamente
dominado segundo os portugueses, pelos filhos de Maomé, seguidores
da religião islâmica. Por esta perspectiva, pode-se levantar a
questão de que d. Sebastião tenha sido mais que um herdeiro legitimo
e esperado para o trono português. Ao menino-rei foi legado também
um pesado e grandioso projeto concebido antes mesmo de seu
nascimento e do qual dificilmente poderia escapar, sendo, como era,
um legitimo integrante da dinastia de Avis." Pág. 18

Entretanto, precisamos entender o envolvimento do menino-rei em
Alcácer Quibir. A historiografia estrangeira procurou empenhar-se
sobre a derrota dos portugueses e de d. Sebastião diante do
confronto, depreciando a imagem do Desejado. Alguns chegaram a
mencionar que o próprio Felipe II esteve por trás principalmente das
primeiras destas histórias, com intuito de desgastar o reino e a
imagem de d. Sebastião, podendo com isto, confirmar a necessidade de
uma nova direção ao trono português, que segundo o espanhol,
encontrava-se completamente fragilizado.
Durantes o ano de 1570 d. Sebastião esforçou-se em desvencilhar da
influencia dos dois grupos que outrora o educou (durante os 11 anos
de período regencial). A retomada do projeto da África o ajudou para
a definição de sua autonomia no reinado luso. As disputas constantes
entre portugueses e espanhóis dividiram o Marrocos em 1576. Nesta
mesma época, d. Sebastião estabeleceu uma "perigosa" aliança com
Moulay Mohammed, que havia sido expulso do poder no Marrocos pelo
seu tio Al-Malik. Moulay procurou Felipe II com a intenção de
retomar o poder, no entanto, Felipe recusou uma intervenção imediata
na questão. Moulay foi então à procura do jovem rei, que aceitou
prontamente seu pedido, estando disposto a enfrentar os marroquinos
em Alcácer Quibir. Diante de grande responsabilidade, o inexperiente
d. Sebastião procurou conselhos ao seu tio, Felipe II de Espanha (o
rei espanhol comprometeu-se em ajudar o menino-rei, inclusive com a
provisão de 05 mil homens para ajudar no confronto). No entanto,
Felipe já havia tomado parte apoiando, de maneira secretra, Al-Malik.
A traição de Felipe II nos leva a possível conclusão de sua
participação direta na derrota do Desejado frente à batalha
marroquina em 1578. Nos preparativos para o combate efetivo, d.
Sebastião não deu ouvidos ao seu tio -cardeal Henrique. Desta vez
não houve milagre divino, como em Ourique para salvar os portugueses
da derroca concebida um mês depois.
As Conseqüências da Morte de D. Sebastião
Muitos foram os relatos dirigidas com relação à morte de d.
Sebastião. Alguns diziam que o Desejado morrera ao lado de outros
combatentes, outros mencionavam que o rei teria desaparecido em meio
à batalha de Alcácer Quibir, outros ainda relataram que o monarca
fugiu em combate para não ser executado. O que podemos afirmar é que
com a ausência do Desejado, Portugal mergulhara num colapso
político, visto que o menino-rei não teve oportunidade para se
casar, consequentemente, não deixou nenhum herdeiro para o trono
luso. Diante desta situação, o reinado português finalmente estaria
nas mãos da Espanha, sob a anexação ao reino de Castela e ao domínio
dos Felipes. Portugal sofrera com o trágico fim do rei, revelando
amargura para o futuro e melancolia ao relembrar o passado. O
sebastianismo ganhou força e difusas formas neste ambiente de
desilusão e ao mesmo tempo, esperança no possível retorno do monarca
que desaparecera misteriosamente na batalha de Alcácer Quibir.
A Reação dos Súditos do Rei
A historiografia relata que a perda da vida de muitos soldados que
acompanhavam o monarca na batalha marroquina representou um período
de luto nas famílias do reino luso. Relatos mencionam que
praticamente todos perderam pelo menos um parente durante a batalha.
Com isto, cresceu demasiadamente a "ajuda" por meio de práticas
mágicas (considerada ilícita) na busca por informações dos
desaparecidos. A crença no sebastianismo encontrava-se, desta forma,
fortalecida. Os portugueses a utilizaram como "motivação" e
resistência para enfrentar às dificuldades impostas durante o
domínio espanhol, conforme relato a seguir:
"Messianismo de fim de século, predispôs a sociedade portuguesa para
a espera redentora de um salvador que trouxesse conforto às famílias
e dignidade ao reino."
"... muitas foram às formas assumidas pela crença sebástica em
Portugal, para que o que concorreram, imensamente, as profundas
raízes judaicas presentes na história da península Ibérica, solo
fecundo para uma fermentação messiânica que seria alargada e
redimensionada pelo sebastianismo." Pág. 25
Com a proibição do judaísmo em 1497, os portugueses converteram,
compulsoriamente, muitos judeus que receberam o nome de cristãos -
novos. Embora submissos às doutrinas católicas, a maioria destes
cristãos mantiveram as práticas, de forma secreta, do judaísmo. Este
comportamento levou a coroa portuguesa a estabelecer em 1536, o
Tribunal do Santo Ofício - incumbido de apurar os crimes proferidos
contra a fé católica, tendo como principal alvo, os cristãos -
novos. Diante da fragilidade do reinado português especialmente ao
final do século XVI, insurgiu a mistura complexa de duas vertentes
que atrelavam o messianismo com embasamento judaico e, uma
expectativa milenarista de paz e prosperidade - ambas poderiam ser
lideradas tanto a um messias como também ao rei de Portugal.
Um dos primeiros condenados pela inquisição portuguesa foi o
sapateiro Gonçalo Anes Bandarra, ele elaborou algumas trovas que, no
início do século XVII tornou-se Profecias do sebastianismo. Nela,
Gonçalo registra a expectativa da volta do rei português que estaria
Encoberto, na espera do momento certo para constituir um novo tempo
de união, paz e prosperidade. Esta dimensão de Bandarra culminou com
a ideologia do monge Joaquim de Fiore que elaborou a doutrina das
três idades (Pai, Filho e Espírito Santo). A verdade é que, aos
poucos, o sebastianismo foi ganhando espaço em diferentes regiões do
reinado luso, marcando sua influência inclusive no Brasil. Mas esta
é uma outra história.
Considerações Finais
Enquanto grande parte da Europa buscava intenso conhecimento com a
riquíssima época do renascimento, Portugal aprofundava suas atenções
e intenções para uma dimensão folclórica, alimentando a crença e
expansão do sebastianismo, esperando assim, o retorno do rei
salvador que comandaria o almejado "Quinto Império". Este fenômeno
ultrapassou os limites políticos de Portugal, ganhando espaço nos
braços da religiosidade tão presente em terras lusas.
Foi sem dúvida um século que teve, para os portugueses, seu fim
abreviado pela fatídica batalha de Alcácer Quibir. D. Sebastião - o
Desejado - liderou um curto e polêmico reinado, mas que não deixou
de manifestar esperança na comunidade lusa (devido à expectativa de
retomada da independência frente ao domínio espanhol). Por outro
lado, a imagem do menino-rei foi muito depreciada pela
historiografia (inclusive com depoimentos de cardeais),
caracterizando sua presença no reino português como a de uma figura
louca e completamente despreparada.
Descrição das Figuras:
Figura 1 - Retrato do jovem rei D. Sebastião
Figura 2 - Ilustração da batalha de Alcácer Quibir (destacando a
presença do "menino-rei")
Referência Bibliográfica:
HERMANN, Jacqueline - "1580-1600: o sonho da salvação" {Coleção:
Virando Séculos} Coordenação: Laura de Mello e Souza, Lilia Moritz
Schwarcz - Ed. Cia das Letras, 2000 - SP.
Escrito por:
CRISTIANO CATARIN
27-maio-2005