Viva o Imperador! Viva!*

Deborah Baesse*

Meu primogênito nasceu em 03 de maio de 1990. Sempre foi uma criança linda e tranqüila desde os tempos em que, ainda na barriga, conversávamos longamente sem precisar das palavras, guiados pela emoção e suas linguagens.

Mas, voltando ao nascimento, foi naquela linda madrugada de maio que, já no apartamento da maternidade, com a família curiosa em volta do novo rebento, vovó Zelinda anunciou:
- Graças a Deus e ao Divino Espírito Santo é um meninão! Nasceu com saúde e muita tranqüilidade. Fiquem logo sabendo que temos uma dívida de promessa. Assim como Ana Clara e Camila, João Pedro será Imperador do Divino Espírito Santo, em sinal de nossa gratidão por sua proteção. Meus netos nascem com a pomba do Divino sobre a cabeça e serão acolhidos em suas asas, por toda a vida!

A profecia estava anunciada: João Pedro cresceria sob a proteção do Divino e, aos cinco anos, vovó Cecé (Celeste Rodrigues – Casa das Minas) anunciaria que era chegada a hora de cumprir a obrigação com o Santo, dando início à carreira Imperial. Assim, em 1998, João Pedro é aceito na tribuna como Mordomo Baixo, iniciando-se no ritual da festa e, mais do que isso, abraçando a oportunidade de vivermos, ele e nós, familiares, uma experiência inesquecível, que marcaria nossas vidas para sempre!

A Festa do Divino Espírito Santo na Casa das Minas é um rito muito sério e profundo, que se inicia bem antes do chamado domingo grande, o Domingo de Pentecostes. Para um futuro Imperador, como era o caso de João Pedro, a festa tem início no último dia do ano em que são passadas as posses dos Impérios para os Mordomos Régios, que, no ano seguinte, serão Imperadores.

Nesse processo de passagem de posses, os Mordomos Régios viram Imperadores e os Mordomos Baixos sobem para o cargo de Régios, abrindo-se a vaga para o acesso de novos integrantes. Foi assim que, em 1999, João Pedro iniciou sua carreira.

Esse último dia da festa, dia em que após a passagem das posses, se encerra a tribuna para só reabrí-la na festa do ano seguinte, é marcado por muita emoção. O choro dos que deixam e recebem o Império e a comoção dos que são introduzidos enchem aquela minúscula sala do altar de sentimentos que se confundem: alegria, tristeza, choro e riso, paz de espírito e sensação de missão cumprida, ansiedade e medo frente ao desafio de enfrentar tão importante missão, honrando-a a altura. Assim foi conosco. João Pedro tão pequeno, os olhinhos brilhando assustados. Ainda sem entender muito bem o que tudo aquilo significava. Tímido, sem conhecer as demais crianças, ficou muito quieto, como que tentando relacionar as inúmeras explicações prévias dos avós e pais sobre a festa, com toda aquela confusão vivenciada! Vovó Cecé, orgulhosa, sentou-o no trono de Mordomo Baixo, sacramentando o compromisso.

O ano seguinte foi de fato o primeiro ano em que João Pedro, já Mordomo Baixo, participaria de todo o ritual da festa: abertura da tribuna e buscamento do mastro, o famoso e já tradicional almoço da cultura, levantamento do mastro, visitas e, finalmente, o domingo grande. No final desse primeiro ano, João Pedro já se sentia à vontade, integrado com as outras crianças participantes e com as caixeiras.
Veio então o segundo ano. Agora Mordomo Régio, João Pedro vivia a expectativa de, no último dia, receber as posses de Imperador, realizando o sonho, por dois anos acalentado, de botar as mãos naquela maravilhosa espada que tanto lhe enchia os olhos e o coração. Em 20 de maio de 2001, teria início a tão aguardada festa. Para nós, aquela era uma temporada muito especial. Era a festa do NOSSO IMPERADOR! Altamente imbuído do cargo e de sua responsabilidade, João Pedro abriu sua festa, participando do buscamento do mastro, subindo o Beco das Minas, sentado sobre o mesmo. Ao lado de sua prima Camila, a Imperatriz, era só vaidade! A cada encontro com vovó Cecé, apresentava sempre a mesma questão: - E a espada, que dia eu vou receber vovó?
Vivemos juntos intensamente cada detalhe: a confecção da roupa, a compra dos gêneros alimentícios doados pelo Imperador à festa, a escolha das lembrancinhas e do bolo. João Pedro participava de tudo, ávido por aprender e cada vez entendendo melhor cada gesto, cor e sentimento daquele belo ritual.

Como educadora que sou, não posso omitir aqui a riqueza pedagógica dessa vivência. João Pedro conviveu com limites e possibilidades, apreendeu lições de respeito às tradições e ao conhecimento dos mais velhos, valorizando não apenas o novo e consumível que nos é imposto pelo tal mundo moderno globalizado. Descobriu que o poder de um cargo é passageiro quando, ao final de sua festa, chorou a passagem de suas posses ao sucessor, vivendo tal qual Cinderela a quebra do encanto, o fim do Conto de Fadas e a transformação da carruagem em abóbora novamente. Aprendeu que reinados acabam, restando de fato, no final, apenas as amizades sinceras construídas ao longo deles. Fortaleceu valores fundamentais, tornando-se mais gente e mais humilde.
Lembro o quanto ficou impressionado com as esmolas que, como Imperador, distribuiu aos pobres! De noite, em casa, sob o efeito de todos aqueles estímulos, e exaustos do dia de emoções, me disse, quase dormindo: 

- Mamãe, se um dia eu for um Imperador de verdade, não vou deixar ninguém ser pobre, precisando de esmolas! Vamos rezar para o Divino ajudar eles?
Meu Imperador enfrentava as contradições do mundo adulto, refletidas em sua festa!
Foi esse João Pedro novo, renascido forte, sensível e maduro dessa experiência única, que eu vi chorar no abraço de despedida a suas caixeiras, ao som de:

Oh meu nobre Imperador,
como nós vamo ficar,
o mastro já vai ao chão,
a Festa vai terminar.

Era 04 de junho de 2001. Sua festa acabara. A missão estava cumprida e era chegada a hora de passar ao colega a coroa, o cetro, o capote e, o mais doído, a espada! Choramos todos a emoção da despedida!

A mim, restava apenas esperar Paloma, sua irmãzinha, crescer, e me dar a alegria de reviver a emoção de mãe dos Impérios do Divino Espírito Santo. E Viva Imperador, Viva!

* Breve relato sobre a experiência da mãe de um Imperador do Divino Espírito Santo.

* Pedagoga