A IGREJA DO ESPÍRITO SANTO, DE ALENQUER E O CULTO RELIGIOSO
DO PASSADO
A
Igreja do Espírito Santo, situada junto ao rio Alenquer, na
sua margem direita, vem do tempo da Rainha D.Isabel de
Aragão (Rainha Santa Isabel, mais tarde canonizada),
esposa do Rei D.Dinis. Esta Rainha, tendo estado,
temporariamente, separada do marido, viveu em Alenquer e por
sua iniciativa construiu-se a Ermida do Espírito Santo.
Conta um cronista da época que "... como amava a seu esposo,
em Deus, e a Deus, em seu esposo, unia os agrados, não
repartia os afetos, porque em Deus achava o preceito de amar
a seu esposo, e no amor de seu esposo, fazia o que Deus lhe
mandava ".
Guilherme João Carlos
Henriques, na sua obra de 1873,"Alenquer e o seu Concelho",
refere que havia em 1707, uma cruz de pedra na Calçada que
sobe para a Igreja de S.Pedro, que já existia por volta de
1260. Essa cruz comemorava o milagre de cada rosa que a
Rainha tinha dado a cada pedreiro da Ermida do Espírito
Santo, e se tinha transformado num "dobrão" de oiro.
A Ermida do
Espírito Santo terá sido construída depois de 1300.
Tendo em atenção que o sentido do Espírito Santo,
simbolizado por "uma pomba" pretende revelar nos cristãos, o
nascimento de Jesus, da Virgem Maria, por obra e graça do
Espírito Santo, anunciado pelo Anjo S.Gabriel,
o
culto do Espírito Santo foi sempre uma das mais fervorosas
devoções das famílias reais nos séculos XIV, XV e princípios
do século XVI e este culto, no âmbito popular foi dos mais
difundidos em Portugal, e de modo especial na Beira Baixa e
Beira Alta.
Era celebrado na Semana do Pentecostes e a cerimônia
constava da coroação de "um imperador", uma pessoa do povo
pertencente à Irmandade ou Confraria do Espírito Santo, que
era eleito, e as festas anuais chamavam-se Festas
Imperiais do Espírito Santo, instituídas por D.Dinis e
Rainha Santa Isabel. As Confrarias administravam, em geral,
um hospital; tal como hoje há um provedor nas misericórdias,
também existia na Confraria do Espírito Santo, um provedor.
O culto do Espírito
Santo evoluiu e passou a constituir a mística do ideal das
descobertas marítimas e da ação missionária portuguesa no
Mundo.
Julga-se que nos painéis atribuídos a Nuno Gonçalves, o
político de S.Vicente, exposto no Museu de Arte Antiga, em
Lisboa, onde se admira a figura do Infante D.Henrique, o 2º
painel, que retrata os Pescadores e Navegantes
"mistificados" como sendo confrades do Espírito Santo, posto
que os navegantes, pescadores e mercadores estavam
associados na Confraria do Espírito Santo de Lisboa ou de
Lagos.
Damião de Goes era
confrade da Casa e Igreja do Espírito Santo, de Alenquer,
onde ouvia missa e assistia às festas imperiais, sempre que
estivesse em Portugal. Eram celebradas com tanto brilho,
esplendor e entusiasmo que tinham fama em todo o Reino e a
Alenquer chegavam romeiros vindos de Lisboa e de outras
partes de Portugal. O concelho de Alenquer viu criar-se
outras Igrejas dedicadas ao Espírito Santo, como por
exemplo, a de Ota e da Atalaia, e as capelas em Aldeia
Galega, Aldeia Gavinha e a do Arneiro. A Igreja do Espírito
Santo de Atalaia, possui entre os azulejos do altar-mor, um
que representa a Rainha Santa Isabel.
Em domingo de
Páscoa saía da Igreja do Espírito Santo, a bandeira da
Irmandade, levada por um homem nobre.
Um
menino, filho das famílias principais da terra, caminhava
entre duas jovens, levando na mão uma espada antiga curta,
que a tradição dizia ser de D.Dinis.
Atrás vinha um homem nobre seguido do capelão da Casa do
Espírito Santo, com uma corôa de prata dourada sobre uma
salva, também, de prata. Chegada a procissão à Igreja de
S.Francisco esse homem nobre é coroado pelo sacerdote
vestido de capa de asperges e depois as duas jovens dançavam
com quatro homens nobres à vista do homem coroado que
sentado debaixo de um docel, fazia a figura de imperador.
Doce, fruta, vinho e água, quanto somente baste era
consumida nesta cerimônia, feita no átrio deste templo.
Repetia-se este ritual todos os domingos até ao sábado de
Espírito Santo (ou seja ao 7º domingo depois da Páscoa, que
neste ano, por exemplo foi a 11 de Junho e o domingo da
Santíssima Trindade no seguinte).
Nesse
sábado, véspera do domingo do Espírito Santo, ia o imperador
acompanhado dos religiosos de S.Francisco e de todo o clero,
até à
Igreja de Triana, onde feita a oração, continuava a
procissão de regresso e a recolher na Igreja do Espírito
Santo e aqui benziam-se muitas merendeiras e carne que se
repartia pelo povo.
Como prova de grande riqueza e fama desta Confraria em
Alenquer, sabe-se que entre 1520 e 1577 entraram 1052
confrades novos a somar aos já existentes. Entre eles
encontravam-se muitos dos nomes mais nobres e antigos, como
por exemplo Damião de Goes, Afonso de Albuquerque, Pedro de
Alcaçova Carneiro, Francisco Carneiro, D. Pedro de Noronha,
D. Leão de Noronha, a condessa de Linhares, D. Isabel de
Lencastre, Lopo Vaz Vogado, D. Manuel de Portugal, Manuel
Gouveia, Lançarote Gomes Godinho e muitas outras
personalidades.
Na época em que
Bastião de Macedo era provedor da Casa e Igreja do Espírito
Santo de Alenquer, isto à volta de 1570, Damião de Goes que
era seu sobrinho, ofereceu à Igreja os seguintes bens, além
de outros provavelmente: órgãos de som para substituírem os
que havia e mal funcionavam; duas sobrepelizes de pano de
linho e três balandráos de pano vermelho para serviço de
missa de três homens ( as sobrepelizes eram usadas pelos
padres, e se não as usassem, eram punidos com multas, norma
instituída pelo Arcebispo de Lisboa, D.Jorge da Costa, em
1467); uma mesa grande de mármore onde se partisse a carne
dos touros que se distribuía no bodo em domingo do Espírito
Santo; uns bordos de madeira de fora, para fazer-se bancos
onde se pusesse o pão do dito bodo, para se benzer; uns
bordos para se fazer uma charola para o órgão da Igreja.
Damião de Goes faleceu em 1574 e nesse ano reinava
D. Sebastião, que depois desapareceu na batalha de
Alcácer-Quibir. D.Sebastião era neto do Rei D.João
III e da Rainha D. Catarina e depois de ter ficado viúva
governou durante a menoridade do neto. Os 10 filhos de
D.João III já todos tinham falecido. As ligações do Rei
D.João III, que era muito religioso, com Alenquer e Vila
Franca de Xira e os Condes da Castanheira (o 1º Conde da
Castanheira, D. António de Athaíde, era seu valido),
foram muito amistosas, e por exemplo Castanheira do
Ribatejo beneficiou muito com isso. A avó de D.Sebastião
tinha jurisdição sobre a vila de Alenquer e o seu neto
por cedência de sua avó ordenou que a Câmara de Alenquer
construísse a Ponte do Espírito Santo. Foi concluída em
1576. Com ela foi construído também o Padrão do Espírito
Santo, com as armas de Alenquer; como nele está inscrito
o nome de D.Sebastião, há quem o designe por padrão de
D. Sebastião.Neste momento ele está no jardim do Largo
do Espírito Santo, perto da fonte de repuchos
alternados. Nele também se lê que a ponte foi
reconstruída depois em 1835. Segundo Guilherme João
Carlos Henriques, quando a ponte foi reparada, esse
padrão foi colocado nas arcadas da Igreja do Espírito
Santo. Mais tarde, o Senhor Moisés Carmo, que era sócio
gerente da firma Carmo & Cia., considerado o primeiro
estabelecimento comercial dessa época, retirou o padrão
da Arcada para o local onde ele atualmente se encontra,
não se sabendo bem em que data. O que se sabe é que esse
estabelecimento comercial e todo o prédio em si, sofreu
um violento incêndio em 26 de Junho de 1891 que o deixou
reduzido a cinzas.
Fontes:
Alemquer e o seu Concelho, de
Guilherme João
Carlos Henriques - 1873
Os Descobrimentos Portugueses III, de
Jaime Cortesão,
Carlos
Nogueira
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