Todas as ilhas dos Açores têm um
imperador cujo nome é o Espírito
Santo. Numa recente visita às
ilhas Terceira, Pico e Faial,
para falar do evangelista do ano
– São Mateus – apreciei, uma vez
mais, essa realidade de mistério
e vida, que já tinha constatado
outras vezes nas ilhas, nas
comunidades açorianas das
Américas, Brasil, Hawai, e em
vários congressos nacionais. O
último destes congressos, em
Tomar, foi rico em conferências
sobre o assunto. Numa dessas
conferências, realizada por um
historiador da Universidade de
Coimbra, o autor apresentou mais
de cem avisos, admoestações,
cartas e, inclusivamente,
condenações da hierarquia da
Igreja, desde a Santa Sé a
Bispos, às festas dos impérios
do Espírito Santo, no período de
três séculos. Como compreender
tudo isto? O estudo histórico,
teológico e eclesial dos
Impérios do Espírito Santo é,
realmente, interessante e, até
certo ponto, único. À luz da
história, tudo começa com o
monge Joaquim de Fiora e a sua
doutrina sobre as três idades da
Igreja: a idade do Antigo
Testamento, com um Deus juiz,
mandão, guerreiro, a impor o
“genocídio” (herem, no hebraico)
contra todos os inimigos pagãos
de Israel; a segunda idade, a de
Jesus Cristo, cuja doutrina
evangélica fora adulterada pela
Igreja; a terceira idade, a do
Espírito Santo, a criar no seio
da Igreja, vivida e administrada
por monges e virgens. Segundo
Joaquim de Fiora, as duas
primeiras idades estavam
ultrapassadas e a terceira
surgiria brevemente. Havia que
lutar por ela. Nessa Idade
Média, - a do feudalismo - havia
vários movimentos, fundamentados
no evangelho, contra a Igreja
Católica do tempo – cátaros,
albigenses, etc. Ao espírito
desses movimentos juntou-se
também um grupo de franciscanos,
que faziam de Francisco de
Assis, pobre e humilde, um
segundo Jesus Cristo. Combatiam
a Igreja hierárquica de Papas,
Cardeais e Bispos, no meio de
luxos e vaidades. O próprio São
Boaventura, Geral da Ordem
Franciscana e grande teólogo da
Igreja, acabou por condená-los,
afastando-os da Ordem. No
célebre livro “O Nome da Rosa”,
de Umberto Eco, o leitor pode
descobrir, no enredo, este mundo
dos séculos XI-XIII. Os frades
pregavam a era do Espírito Santo
contra a era do Antigo
Testamento e do Novo Testamento.
Da verdadeira Igreja, salvava-se
apenas Francisco de Assis e os
seus seguidores mais radicais.
Esta pregação entrou na
espiritualidade do povo, ao
longo dos anos, e foi rejeitada
pelas autoridades da Igreja e
dos responsáveis da Ordem
Franciscana. Os “terceiros
franciscanos” (leigo casados,
que seguiam o espírito de
Francisco de Assis), espalharam
pela Itália, França, Espanha e
Portugal esta doutrina. Santa
Isabel, rainha de Portugal,
parece que partilhava esta
doutrina, também como “terceira
franciscana”. As “condenações”
da Hierarquia da Igreja acabou
com esta doutrina, mas fora
levada às ilhas dos Açores pelos
franciscanos, onde não chegavam
os correios das condenações.
Assim nasceram os Impérios do
Espírito Santo com o
aparecimento duma “capela” ao
lado das grandes Igrejas, onde
se colocava a coroa do Espírito
Santo, encimada pela pomba e
pela Cruz. O povo açoriano bebeu
profundamente esta
espiritualidade e, por vezes,
transformava a Igreja Católica
nos Impérios do Espírito Santo.
Surgiram festas religiosas e
populares, doutrinas e
catequeses, paralelas às da
Igreja. Só quem é açoriano é
capaz de entender estas “duas”
Igrejas, duas culturas, dois
sentimentos numa só Igreja,
cultura e sentimento. Sempre que
as autoridades eclesiásticas
contrariaram as festas do
Império do Espírito Santo
acabaram por perder. Hoje em
dia, tudo está mais calmo,
reinando o bom senso pastoral de
parte a parte. Este assunto põe
o problema da realidade da força
e poder do Espírito Santo. Há
trinta anos a esta parte, os
neopentecostais evangélicos
repuseram esta doutrina,
confrontando-se com católicos e
protestantes históricos. São
mais de trezentos milhões (ver a
obra de Allan Anderson, El
pentecostalismo. El cristianismo
carismático mundial, Ed. Akal,
Madrid 2007). Dizem,
inclusivamente, que entre eles e
os carismáticos católicos não há
qualquer diferença. Quem é que
está na verdade? A verdade é
exposta de maneira clara em S.
Paulo, na 1ª aos Coríntios 12,
4-13: “Há diversidade de dons,
mas o Espírito é o mesmo; há
diversidade de serviços, mas o
Senhor é o mesmo; há diversidade
de agir, mas é o mesmo Deus que
realiza tudo em todos. A cada um
é dada a manifestação do
Espírito, para proveito comum. A
um é dada, pela acção do
Espírito, uma palavra de
sabedoria; a outro, uma palavra
de ciência, segundo o mesmo
Espírito; a outro, a fé, no
mesmo Espírito; a outro, o dom
das curas, no único Espírito; a
outro, o poder de fazer
milagres; a outro, a profecia; a
outro, o discernimento dos
espíritos; a outro, a variedade
de línguas; a outro, por fim, a
interpretação das línguas. Tudo
isto, porém, o realiza o único e
o mesmo Espírito, distribuindo a
cada um, conforme lhe apraz. (…)
De facto, num só Espírito, fomos
todos baptizados para formar um
só corpo, judeus e gregos,
escravos ou livres, e todos
bebemos de um só Espírito.” A
variedade de dons e carismas,
como se vê, é uma riqueza
espiritual desde que seja para
formar um só corpo. São Paulo
pensa, ao mesmo tempo, no corpo
de Cristo e no corpo da Igreja.
Não existe um sem o outro. É com
este critério que devemos
entender as diferenças entre
carismáticos católicos e
neopentecostais evangélicos.
Voltaremos ao assunto.
Pe. Joaquim Carreira das Neves,
OFM. |